sábado, 31 de dezembro de 2011

Helena...

Deve ser culpa de todo esse simbolismo que carrega o que chamamos de ano novo o que me sufocou até me acordar hoje pela manhã, mas preciso te pedir desculpas. Erro todos os dias desde muito antes de te carregar, de te gerar, te saber e te ter no colo. Erro praticamente todos os dias desde que me conheço por gente. Errei já muitas vezes comigo e erro - certamente, ainda mais - contigo. Preciso te antecipar as desculpas por todos os erros que cometerei; pois sim, continuarei errando como sempre fiz. Errando por amor, errando por convicção, errando muitas vezes sem saber. Preciso que já tenhas guardados os perdões para os meus passados, presentes e futuros erros que, te garanto, não serão poucos. Não enumero os que já passaram afinal teu pai vive me relembrando que a vida é demasiadamente curta para remoer o passado. Procuro sempre usar dos meus antigos erros para evitar cometê-los novamente, porém a vida tem um leque infindável de situações onde errar e, provavelmente, errarei em algum momento em todas elas.

Meu erros se confundem com o meu amor e com o misto de culpa e responsabilidade que, desde a primeira vez que te soube no meu ventre, passei a carregar. Carregarei para sempre o fardo de uma responsabilidade maior que meu próprio ser; fazer, crescer e amadurecer uma pessoa íntegra, honesta, madura. Carregarei comigo a culpa por todos os teus erros na vida e, por mais que nunca possa querer vivê-la no teu lugar, guardarei como erro meu todos aqueles que cometeres em teu caminho. Peço-te desculpas por ser humana e grandemente falível, mas também é lição de vida o ensinar da diversidade e do respeito a cada um em suas falhas e, principalmente, em suas virtudes. Peço desculpas pois muitas vezes não conseguirei te dar tudo aquilo que esperarás de mim, mas espero que compreendas que é muito difícil dar o que não fomos acostumados a receber. Não peço desculpas por todas as vezes que terei que dizer não, pois sei que, como eu, um dia reconhecerás a importância de cada negação imposta a ti na vida. Mas peço desculpas pelas lágrimas que, em consequência desses sim e não, irão rolar. Pais são humanos, apesar de ti, com teus pequenos quase 6 meses, hoje acreditar que nós somos mágicos e incríveis, fortes e inabaláveis, fazendo a fome sumir, a fralda magicamente voltar a ser limpa, os brinquedos aparecerem e o choro cessar. Vou errar, minha filha, vamos errar. Nós juntos erraremos infinitas e repetidas vezes. Muitas vezes te direi coisas que nem quis dizer, coisas que não serão verdade (e sei que, enquanto isso, pelas costas, me mandarás ao inferno). Te perdoarei por me mandar ao raio que parta e espero que me perdoes pelos impropérios que provavelmente direi algum dia, da boca para fora.

Quero que saibas que errei inúmeras vezes desde que nasceste, mas farei ainda pior, tomarei decisões equivocadas, direi não quando deveria dizer sim e o contrário também. Teremos as nossas diferenças, os nossos gostos, manias e peculiaridades. E sei que sou autoritária e teimosa, mas prometo que até cresceres a ponto dessas características aparecerem, tentar me tornar um pouco menos cabeça dura e mandona. Preciso te pedir desculpas, meu amor. Porque muitas vezes estarei nervosa demais para superar o orgulho após a briga e te dar razão mesmo quando estiveres certa; porque outras tantas vezes vou descontar a fúria de um mau dia numa pequena pessoa - ou já nem tão pequena assim - que sempre me encarou com olhos brilhantes de amor e devoção. Enfim, quero que saibas que errarei, pura e simplesmente, por amor. Errarei por um amor desesperado, desmedido, que não consegue caber dentro do meu peito. Errarei sempre na esperança de estar fazendo o melhor, errarei com convicção e, daqui a vinte anos, saberei que errei porque te amei demais.

Feliz primeiro ano novo, minha pequena.
Um brinde à nossa vida cheia de erros e acertos. 
Um brinde ao nosso amor que cresce a cada dia.

Mil beijos da tua pequena,
Mamãe

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Change; we don’t like it, we fear it, but we can't stop it from coming. We either adapt to change or we get left behind. And it hurts to grow, anybody who tells you it doesn’t is lying. But here's the truth...the more things change, the more they stay the same. And sometimes, oh, sometimes change is good. Oh, sometimes, change is...everything.

Mudanças. Aquele frio no estômago do novo. Do velho que restou dentro de
nós. A gente carrega o nosso passado para onde quer que formos. E depois que
nos mudamos, parece que nunca mais conseguiremos ser um só novamente. Sempre
deixamos pedaços de nós por onde passamos, com as pessoas que compartilhamos
momentos, nas calçadas em que andamos, nas festas nas quais dançamos, nas
praças, nos bares.
É um mar infinito o das memórias. Porque recriamos as imagens, as falas,
os sentimentos. A saudade faz isso: deixa tudo mais mágico, significativo,
atraente. Apegamos-nos ao passado quando não temos um presente definido ou um
que nos acalme a alma. Ou, simplesmente, porque nos faz falta. Não seria um tanto
óbvio? Às vezes dói mesmo o peito, embora nossa situação seja satisfatória, há
um espaço vazio que jamais será preenchido, das coisas que fazíamos e das
pessoas com quem andávamos. É desse espaço que eu tenho medo.
Mas as mudanças são necessárias. Na vida nada permanece igual. Nem um
dia sequer. Grandes mudanças são o que marcam a nossa existência. São barreiras
vencidas, linhas de chegada comemoradas. São as mudanças que dão sentido a
nossa vida, que nos fazem crescer, amadurecer, ver o mundo de uma forma
totalmente diferente da que víamos antes. Faz-nos abrir o coração para novas
aventuras e novas ideologias. Damos valor a coisas que não dávamos antes. E é
aí que percebemos que estamos envelhecendo, que estamos passando pelo tempo e
que o tempo, também, está passando para nós.
Ah! Mudanças. São o que ficam na memória, são o que nos dão belas fotos,
são o que nos tornam pessoas “vividas”, com experiências para compartilhar,
cartas para mandar e uma enorme coleção de memórias. E o único jeito é se
adaptar a elas. É dar o nosso melhor, ver a vida com otimismo, tornar a
fraqueza em coragem e fé. Porque se tem uma coisa que aprendi é que, no final,
tudo dá certo.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Se não, bebe tudo de uma vez

E a cabeça gira, gira, gira
E tudo passa depressa, move-se depressa, se acaba depressa
As cores se confundem e se unem em um fio só de qualquer coisa nenhuma
A casa desarrrumada, a pilha de louças para lavar, o relógio que não para de contar
As horas que já nem vejo mais passarem, os pássaros que não vejo mais assobiarem
E a vida que grita para eu me acalmar.
É nessas horas que os sinos batem, que as crianças correm pelo quintal
Que a vida triunfa e se refaz
Para mim não mudou o mês, não mudou quase nada
Os latidos da vizinhança ainda são os mesmos e as páginas que folheio ainda são de Orgânica
Não conto os dias para não parecerem mais longos
A espera é dolorida e reflete nas minhas costas que sofrem de stress pré-traumático
E eu que prometi não pensar em amor, não deixar a corda arrebentar, não perder a cabeça
Chego a quase me orgulhar
Só não consegui cumprir uma coisa: ainda durmo demais
A verdade é que às vezes a rotina sufoca a gente, nos tranca em um quarto escuro
A gente esquece de querer saber o que há lá fora para ser visto,
Esquece de como é sentir o Sol bater forte, tão forte que tem que fechar os olhos bem fininho, assim, pra poder enxergar coisa qualquer
A gente esquece que é gente, ás vezes, e não se satisfaz com pão e água.
A gente esquece que prometer é coisa pra gente fraca, quem promete nunca cumpre porque já sabe que aquilo tá fora de alcance.
Quem promete é porque deve, pra alguém ou pra si mesmo uma prova de que consegue
O bom é ir assim, andando conforme a vida, fazendo o que dá, o que cabe no dia, o que cabe no peito, o que cabe no copo da vida
Se não, a gente fica esganado, bebe tudo de uma vez só, sem deixar nadica de nada para depois
E aí é que a vida fica chata, chata de doer a sola do pé
Tem que ter suspense, como filme mesmo
Tem que saborear a vida aos pouquinhos, assim, devagarinho, como um doce no final da tarde
Pra gente poder contar como foi, ou como achamos que foi
Pra gente ter as memórias que completam nossos dias, dias vazios assim, sozinhos, cinzas
Se não fossem os momentos degustados em lentidão
Ai que um domingo desses ia doer no coração!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cartas para Liana - O Mundo de Sofia

Oi amiga!

Lembrei da nossa conversa de ontem sobre como a rotina nos absorve e acabamos nos esquecendo de olhar pra dentro, de refletir, de dar valor às coisas que são realmente importantes e isso me fez lembrar uma frase do "O Mundo de Sofia". A penúltima vez que tive em Porto Alegre comprei uma versão dele pra mim, lembro que a primeira vez que o li foi através de uma gentil cessão tua (obrigada, amiga ;)) e lembrei de uma frase do curso de filosofia quando o "professor" explica à Sofia que somos como bichinhos microscópicos que vivem na pelagem do coelho que é tirado da grande cartola do Universo e que, quando nascemos, estamos bem na pontinha dos pelos, vendo o truque acontecer e olhando dentro dos olhos do grande mágico mas, conforme passa o tempo, vamos sendo arrastados (ou nós mesmos nos arrastamos?) para cada vez mais fundo, onde formamos um ninho quentinho e de onde não queremos mais sair. Ele diz que os que permanecem a vida toda tentando escalar a pelagem do coelho são os filósofos, que ficam lá em cima gritando para nós que estamos quentinhos lá embaixo que há um mundo lá fora, que é um truque, que há um mágico, mas mandamos que eles calem a boca e continuamos imersos nos nossos cotidianos, sem nunca mais sair daquele conforto.

Será que estamos caindo assim tão depressa? Muitas vezes me deparo aqui com a caixinha de edição de texto e não sei mais o que quero dizer. Logo eu que dizia tudo que vinha na cabeça, será que estou me arrastando tão rápido lá para baixo? Tenho medo que nos tornemos imunes às belezas do dia-a-dia, à mágica da vida e é aí que fazes muito mais falta do que em todas as outras coisas. Canso de andar pelo parque e faz muita falta ter a tua companhia para dizer as coisas que ninguém mais poderia entender. O mundo nos pregou mais uma grande peça nos separando de novo, não é? Mas o engraçado é que existe uma "Liana" aqui dentro da minha cabeça pra quem eu conto e com quem eu discuto essas questões que me intrigam, que me comovem ou me emocionam. Tu fazes muita falta na minha vida, amiga. Sei que estás aí todos os dias, mas tu entendes perfeitamente o que quero dizer. É falta daquela saída despretensiosa para caminhar pela madrugada, das vezes que te busquei em aula ou da vez maluca que me escoltasse até a faculdade porque tu sabias que eu não estava bem. Faz falta ter uma amiga com quem a gente pode ser fraca de vez em quando. Faz falta ter um ombro pra reclamar bobagem, pra chorar tragédia. Mas eu sei que te tenho, meu bem. É por isso que faço questão de te escrever, sempre. Porque aqui dentro nós conversamos todos os dias, todas as horas, todos os céus azuis.

Tirei a foto do livro com os meus óculos por cima e lembrei do teu pai... "Ela ficou horrível com esses óculos!". 



Essa é só mais uma das mil coisas que me fazem lembrar de ti. Te amo!

domingo, 4 de dezembro de 2011

Carta para Gabi

É tanta falta, é tanto detalhe, é tanta saudade, minha amiga. Acho que nunca vou me acostumar em não te ver cruzando a esquina com esse teu sorriso largo e teu caminhar saltitante. Sinto falta das palavras amigas nos momentos de insegurança, da companhia no "rien faire" sem igual.
Mas de volta aos Pampas! A Helena sentiu que eu estava por perto e não quis se demorar mais! hehe A vida é um bocado bonita mesmo, sempre nos surpreendendo com sua criatividade para nos emocionar.
Estou aqui, pensando no começo da semana. Acho que muito do jeito que me sentirei amanhã perante todas essas derrotas e vitórias será o perfil que eu vou ter até janeiro. É uma fase de altos e baixos, mas espero conseguir me firmar em terra firme e ficar mais serena. É nessas horas que o sorvete da De Marco faz milagres! Queria uma fita pra gravar que nem a Felicity fazia para a Sally. Todas essas coisas que eu te contava ao vivo, ficam entaladas no peito. E vão se perdendo dentro de mim, sem importância. Desde o céu azul até os pesadelos.
Mas sinto uma brisa leve no ar que ainda teremos muitas histórias pra contar. Te amo!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cartas para Liana

Oi amiga!

Como dezembro é realmente um mês muito corrido prá todo mundo, resolvi te escrever pequenas cartinhas. Lembrei de ti enquanto voltávamos de Porto Alegre e a estrada estava tão linda, tão calma, que não me deu outra vontade senão me esparramar naqueles quilômetros de capim verdinho, então fui obrigada a tirar muitas fotos para que tu pudesses ver a paisagem lindinha que tem de lá até aqui (embora as fotos não consigam captar o calor do sol do fim da tarde nem o infinito verde que se perde no horizonte).




Tu tens que vir conferir de pertinho a paisagem dos pampas, hein? Ainda ontem lembrei que, logo no dia em que iriamos passear fronteira afora, a Heleninha resolveu nascer. Talvez ela soubesse que a irmãzinha da mamãe chegaria naquele dia e não conseguiu encontrar hora melhor pra nascer. Falando nisso, ela nasceu no dia que tu voltou de fora, lembra? 07/07. Incrível a mesma data representar dois momentos tão felizes pra mim. :)
Enfim amiga, por hoje é isso. O Hector ainda saiu pra buscar um chocolatinho que tu sabe bem que a tua amiga aqui não sabe viver sem roer um docinho né? hahaha

Beijos,
Gabi

domingo, 13 de novembro de 2011

O sofá, as pernas... te amo

Não peço licença. Vou esparramando as minhas pernas por cima das tuas tão logo me aconchego do teu lado. Não sei pedir permissão, não sei esperar um convite. Vou ocupando o espaço que me confunde ao não se definir bem se teu ou meu, se meu corpo ou teu corpo. Vou enchendo o teu espaço de mim, com as minhas pernas preguiçosas que insistem em se espalhar por cima das tuas. Uma vez tu mesmo me disse que, no dia em que eu começasse a pedir licença ou por favor para me espalhar pelo teu corpo seria porque nosso amor acabou. E ele não acabou. Ainda me tira o ar como naquela primeira vez em que te encontrei e passei a noite com o telefone na mão esperando uma desculpa para poder te ligar - e, curiosamente, tu também - e como em tantas outras primeiras vezes, que são caso para outra história. Não peço licença desde que entrei na tua vida, não pedi licença da primeira vez que arranquei o número do telefone dos teus olhos e nem da primeira vez que entrei na tua casa e fui logo colocando as coisas da minha maneira. Não sei pedir licença desde que invadimos um a vida do outro e não soube mais distinguir a minha da tua; desde que o nosso amor nos une de um jeito que dispensa as formalidades.
No sofá, sem nunca pedir licença, é meu modo secreto de dizer eu te amo.

sábado, 12 de novembro de 2011

Noite Qualquer

Escorreu o corpo pela parede como se fosse um fardo já muito pesado para carregar. Abriu a janela, sentiu pela primeira vez a necessidade de um cigarro entre seus dedos, aceso escondido no pequeno espaço entre a cortina e a parede. Esticou o braço e abriu o chuveiro, agora a água caía firmemente encharcando o vestido comprido. Se imaginou no meio de uma grande tempestade quente de verão, era assim que se sentia, pega de surpresa, desprotegida, prensada por uma limitação muito mais que física. Era fácil arrancar as cortinas, quebrar os vidros, os azulejos, destruir o balcão e todas as coisas que sobre ele se amontoavam como um monstro adquirindo suas verdadeiras proporções. Era fácil fugir do visível, abrir a porta, sair correndo, rolar pela escada, era fácil até encontrar uma maneira de morrer. Mas era difícil, pra não dizer impossível, fugir das limitações do coração, das amarras que ele atava com seus truques indecifráveis, da tortura que as suas ideias causavam, da imaginação que não parava de fervilhar com os diferentes desfechos que poderia ter aquela história. Porém aquela história não teve final algum, pois ao menos teve chance de possuir um início. Nunca houvera nada entre eles dois - e todo o resto que a torturava era mero fruto da imaginação. Sentiu a água misturada às suas lágrimas que brotavam sem dizer porquê, sem justificar pra onde iam. Sentiu o corpo lentamente adormecer. Desejou agora uma garrafa de vodca, logo ela que largara o vício já há algum tempo depois de tanto lutar com as garrafas que sempre se mostravam tentadoras. Desejou alguém que a resgatasse daquela fraqueza, daquele estado miserável em que se encontrava atirada, encharcada, misturada aos azulejos, mesmo sabendo que ela não sairia dali por ninguém a não ser por ele. Ele que jamais viria, que nunca a surpreenderia abrindo a porta - nem correndo por ela, muito menos trazendo flores - pelo simples fato dele nunca ter sabido que ela se encontrava ali. Sentiu saudades de uns raros momentos e, mais uma vez, desejou a vodca. A vodca não veio, nem ele, nem o cigarro. E nenhum dos três jamais viria, de verdade. Descobriu entre as lágrimas que jamais precisaria de nenhum deles na sua mão. Era a memória da vodca, a curiosidade do cigarro e a tortura daquele ele as coisas que a mantinham viva. Fechou o chuveiro. O coração suporta com gosto a dor, mas a casa não tem espaço para ele.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Memórias

Sei escrever melhor quando estou com raiva. Na verdade, só sei escrever quando algo me perturba. Sei escrever quando meu sangue ferve, quando meu coração se espreme e me encolho no cantinho para chorar escondida. Sei expressar minha ira e também sofrer uma dor de cotovelo como ninguém. Sofro até as últimas consequências, gosto do tom dramático da maquiagem borrada que propositadamente uso quando sei que vou me esvair em prantos. Mas ainda não aprendi a dizer o que sinto quando não sinto nada, quando provoco os sentimentos e eles não vem; colocaram uma placa no meu peito dizendo "já volto" e não voltaram nunca mais. 

Sei sofrer, lamentar e me reinventar centenas de vezes no mesmo episódio, tenho diversas câmeras nos pontos estratégicos da minha imaginação e conto e reconto a história cada vez por uma diferente perspectiva, mas não sei contar quando eu não sei mais sentir. Preciso primeiro reencontrar os sentimentos dentro de mim, preciso da ferida aberta, da dor latente, do amor doído, do passado meio amarelado e do cheiro a esquecido no fundo de uma gaveta qualquer para voltar a me angustiar e poder sofrer e me deliciar como uma criança, com a mesma história, pela milésima vez.

Não sei onde foram parar os meus sentimentos, onde se escondeu toda a minha nostalgia e inquietude. Não sei onde minha memória foi deletada, quais os passos desse ritual desconhecido que apagou de mim os cheiros que tatuaram minha pele e o toque das mãos que se esvaíram pelos meus dedos. Só sei que se esvaíram. As angústias, os sabores, as lembranças, as poesias e as cartas que deixei para trás. Foram pegas de surpresa por alguma traça nas gavetas da minha memória que as roeram lentamente e não deixaram sequer um vestígio, uma pista, um sinal. E não tenho mais nada a relembrar, a não ser o cheiro doce do presente.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Primavera

Toda troca de estação é um bom momento para olhar para dentro. Não só para dentro dos armários e gavetas, não só tempo de reorganizar as tralhas e jogar fora aquilo que há muito deixou de servir e que só é guardado por um certo apego, mas também de olhar para dentro de si mesmo. Toda troca de estação é uma boa hora para jogar fora, junto com as roupas e calçados velhos, os antigos bilhetes, as amareladas cartas de amor e as palavras que ainda ecoam na cabeça e no coração. A saída do inverno abre espaço não só para os botões que se abrem em belas flores mas para a abertura dos corações em novos rumos, em busca de novos ares e novas aventuras. Desbravar o próprio peito pode ser uma árdua tarefa que exige persistência e confiança, paciência e uma alta dose de desapego. Faxinar os sentimentos é como podar uma árvore, transplantar suas mudas e regar suas raízes. A princípio não vemos resultado algum, mas quando a primavera chega abrindo novos botões e perfumando o coração de belos sentimentos, vemos florir em nós a flor da esperança e a certeza que tudo pode ficar ainda melhor (e mais colorido).

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O Poeta Está Vivo

 

 Essa música há alguns dias ecoa por aqui.

domingo, 23 de outubro de 2011

Abri a caixinha e imediatamente os pensamentos saíram voando da minha cabeça. Sumiram.
Deve ser um pouquinho de cansaço. Vou desenhar para ti, fazer massagens nos pés, reler uma leitura fácil e depois, quem sabe, eu relembre tudo o que eu queria te dizer. E o que eu venho relutando em não dizer também.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

que dia é hoje?

Me perco com facilidade nos dias, tenho me perdido com facilidade até mesmo nas semanas. Já não sei mais se é domingo ou quarta, se é noite ou dia, se é inverno ou verão. Me perco de mim mesma e me reencontro cada vez mais perdida, mais distante, mais desencontrada mas ao mesmo tempo muito mais eu. Talvez sempre tenha havido essa tentativa de sonegar o que no fundo sou eu e que se fez latente nesse tempo em que me perco e me acho para me perder novamente nas mesmas coisas, no meio dos meus livros e nas infindáveis caixas e gavetas e potinhos. Não consigo estabelecer metas, ou melhor, estabeleço mas não consigo cumpri-las. Sempre fui uma desencontrada por natureza. Agora dei pra deixar dinheiro em cima do banco, pente cravado nos cabelos, pé de cada meia, livros pela metade, canetas sob o sofá, sonhos esparramados. Dei pra voltar a mim, pra me reencontrar, mesmo quando tudo não passa do engano de se perder.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Ser

Somos muito mais do que as nossas escolhas, muito mais do que tudo que optamos para as nossas vidas. Nossa essência vai muito além de cada "sim" que falamos durante a vida, muito além de cada caminho que decidimos trilhar. Somos feitos, muito mais do que cada sim, de cada não que resolvemos dizer na vida. Somos fruto de todas as coisas que optamos por não fazer, somos resultado das pessoas com quem escolhemos não nos relacionar, das coisas que decidimos que não queríamos para as nossas vidas, de cada não que pronunciamos durante toda uma história. Somos o peso de cada renúncia, a frustração que optamos por não prolongar, o sonho que deixamos de adiar, o amor que deixamos de fingir. Pesamos exatamente a medida das coisas que deixamos para trás. É só olhando pra trás que podemos saber tudo aquilo que somos, o que escolhemos de nós e as nossas vidas, o que decidimos ser. é só olhando pra trás e preferindo o presente que podemos saber que nos tornamos alguém. Maior que as frustrações, maior que as opções, maior que as escolhas que não fizemos.

Somos, quando nos tornamos, exatamente aquilo que desejamos um dia ser. Somos quando soubemos dizer não.

domingo, 2 de outubro de 2011

Pro Inferno

Passei dias tentando engolir a minha grosseria e procurando encontrar uma maneira mais sutil e elegante de dizer que desejo, do fundo do meu coração, que você vá pro inferno (porém, infelizmente, não consegui). Sejamos francos: desejo que você vá pro raio que o parta e tenho certeza absoluta que o sentimento é recíproco, simples assim. Sem hipocrisia, sem sorrisinhos, sem aquela baboseira de você me perdoou (até porque eu não lembro de ter lhe pedido perdão por porra nenhuma). Para eu chegar ao ponto de usar o você, pra dizer que você vá aonde quiser, desde que me erre, é porque quero deixar cada vez mais claro que não há nenhuma ligação que você pensa que há - ou que algum dia houve. Não há ressentimentos, não há mágoas e, believe me, isso não é papo de recalcada pós-pé-na-bunda. Francamente, não gosto e não vou desperdiçar o meu latim tentando deixar ainda mais claro o que já tentei explicar com o meu silêncio e a minha indiferença. Você não faz diferença. Nenhuma, sério. Não há nada que nos ligue e não há nada porque nunca houve nada nem quando deveria ter existido.
Desejo, de verdade, que você vá aonde quiser.
Não vou mentir dizendo que quero que você seja feliz porque quero mais que você se exploda, que suma, que evapore do mundo sem deixar rastros e sem atravessar o meu caminho nem por engano. Se uma bomba cair na sua cabeça, pode ter certeza que não fui eu que mandei jogar, mas que ficarei feliz em receber a notícia. Não sou, nunca fui e não é do meu tipo ser rancorosa, nem raivosa, nem ignorante. Mas você merece. E eu desejo de verdade que você se f***.
Com todas as letras, em tudo, com todos.
Se com silêncio você não entende, deixo claro através de palavras:

Queridinho,
vá pro inferno.
Com alegria,
Gabrielle


Agora me sinto cem quilos mais leve.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Eu desaprendi tantas coisas esse ano. Desaprendi a olhar para dentro de mim. Desaprendi a ter uma longa conversa. Desaprendi a cantar. Desaprendi a rezar e a comer bem. Talvez não tenha desaprendido realmente, mas esqueci, perdi a prática. Coloquei outras coisas acima disso tudo que me fazia tão feliz. Eu parei de ver os velhos amigos. Me envolvi com pessoas que não me acrescentavam e nem combinavam comigo. E em algum momento, eu despertei para essa vida que andei contruindo a meio de livros e tragos. E sinceramente, não gostei dela. Me senti vazia por dentro. E entrei em desespero. Mas tudo bem.
É preciso cair para levantar. E as coisas vão entrar em ordem, mais cedo ou mais tarde. O mais difícil de tudo é perceber o que se quer. É abrir os olhos para o que está errado. Ir atrás, por incrível que pareça, é só "papelada".

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Segundos Erros (ou Primeiras Observações)

[O amor cega]

O amor nos cega e assim percebo que os pais são condenados a nunca ver seus filhos crescerem.  A eterna infância dos nossos é a sina da vida de qualquer pai. 

Ontem a Helena chorou por manha pela primeira vez, queria colo. Há alguns dias, tomou suco pela primeira vez. Há umas semanas, sorriu pela primeira vez. E há algumas outras semanas, ela mal tinha nascido. Ela já dorme as noites inteiras, já consegue pegar os próprios brinquedos, já tenta segurar a mamadeira, já se expressa e consegue se fazer entender. E para mim ela ainda tem aqueles nem dois quilos e meio.
Só consigo perceber que ela cresceu quando vejo algumas fotos. Ou quando alguma roupa tem que ser rebaixada à gaveta das que já deixaram de servir. Só consigo perceber que ela está maior quando alguém me diz isso, ou todo início de mês quando ela é medida e pesada pelo médico. Os atuais cinquenta e seis centímetros não me parecem nada maiores do que os quarenta e quatro com que nasceu - praticamente ontem. 

Só consigo perceber que ela está crescendo com o último pacote de fraldas "P" indo embora.
Observo claramente todos os passinhos do seu desenvolvimento, mas não consigo vê-la crescer. Consigo vê-la sorrir, puxar uma cordinha, seguir com os olhos alguém que se movimenta pela sala, a atenção com que se fixa nos desenhos na televisão e nas músicas que ouve. Consigo vê-la ficar pequena para todas as roupas, o meu colo ficando pequeno para bracinhos que esticam tão rapidamente, consigo ver o calor dando as caras e as pernas já não tão magrinhas ficando de fora. Consigo vê-la acostumada ao banho, ao leite, à rotina, mas não consigo enxergá-la nem um centímetro maior do que quando pus os olhos nela pela primeira vez.

Quase três meses já se passaram. Parece pouco, mas juro que foi ontem mesmo que ela nasceu. Juro que foi ontem, quando cheguei em casa, que mal conseguia fazer caber uma fralda mínima naquela pessoa tão pequena e frágil. Juro que foi ontem que os banhos tinham que ser corridos, pois de tão magrinha ela perdia calor com muita facilidade. Juro que não faz mais de uma semana que descobri que estava grávida, que não faz mais de alguns dias que minhas calças deixaram de servir e que os pacotes de bebê começaram a chegar em abundância. Juro que não passei mais de umas horas com os olhos fechados e cá está ela, crescendo. Cochilei durante a noite e acordei com ela já desse tamanho, tenho certeza que foi só uma soneca. E em mais uma piscada pesada de olhos, provavelmente ela estará com três, com treze, com trinta anos. Talvez seja por isso que nunca deixemos de ser os bebês dos nossos pais. Eles estão apaixonados demais para nos ver crescer.
Mais do que nunca entendo quando minha mãe disse que parece que foi ontem. Deve parecer mesmo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Olhos nos Olhos



 "Quando talvez precisar de mim 
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim 
Olhos nos olhos 
Quero ver o que você diz 
Quero ver como suporta me ver tão feliz"

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Uns dias

Uns dias a gente se sente assim, a pior pessoa do mundo. Não tenho coragem de me encarar e me enxergar covarde, parada, muda. Pensei que era uma grande coisa dizer estar aliviada por ter me afastado daquilo que não gosto nem nunca gostei, eis que surge alguém e me faz perguntar onde está a coragem nisso tudo. No abandono? Na desistência? De quanta coragem precisamos para virar as costas? Certamente de menos do que para enfrentar os desgostos, as dúvidas, as inseguranças. Mais uma vez falhei miseravelmente, mais uma vez desisti no meio do caminho. Onde precisamos de coragem para desistir? É verdade, estavas certo com teu comentário. Me envergonho, me deleto, só falo bobagens. Me imbecilizo a cada dia um pouco mais. E nesses dias a gente se sente assim, a pior pessoa do mundo.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Toda Noite de Insônia

Todas as noites, na hora de dormir, eu consigo sempre pensar em algo pra escrever. Eu consigo me obrigar a pensar em ti todas as noites, na hora de deitar, como meu último raciocínio consciente ou talvez como o primeiro dos sonhos que eu jamais consigo lembrar que tive. Desses pensamentos se desdobram histórias, contos, fábulas, invenções. Eu consigo me lembrar de mim quando me obrigo a me lembrar de ti. Já não sei se algum dia houve um tu ou só o que houve foi um eu numa outra (mesma) pessoa. Me transformei em segunda pessoa, mas continuei sempre singular. Nunca formei plural com esses pensamentos, esses sonhos, essas ideias absurdas e as lembranças que já não sei distinguir se são reais ou apenas invenção de uma repetição interminável de cenas e fatos e palavras inexistentes; nunca formei nós daquele eu e tu que, francamente, não existiu. Ponho pela milésima vez aquela mesma música que eu ouço sempre que dou de cara com essa caixinha para escrever - e saberias perfeitamente qual a seguinte se pudesses ouvir. Vou no show do Roberto Carlos, sabia? E vou lembrar de ti se ele tocar Outra Vez. Vou lembrar de ti porque tu és nada mais do que uma parte indissolúvel de mim, uma segunda pessoa que carrego aqui dentro e que pode parecer a quem leia se tratar de um ou outro alguém, mas que não passa de uma dedicatória a mim mesma. 

Me dou conta, finalmente, que o tu não tem outro nome senão o meu; que o tu nunca passou de um eu. Um eu fora de mim.

Yesterday Once More


"(...)

It was songs of love that

I would sing to then
And I'd memorize each word
Those old melodies
Still sound so good to me
As they melt the years away



Every Sha-la-la-la
Every Wo-wo-wo
Still shines
Every shing-a-ling-a-ling
That they're starting to sing's
So fine



All my best memories
Come back clearly to me
Some can even make me cry
Just like before
It's yesterday once more"
(The Carpenters)


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Alô?

Alguém aí?
Volto assim que conseguir me olhar de novo.
Enquanto isso, o tempo voa e só me vejo refletida nos pequenos olhos da minha Helena.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Friday I'm in love


It's friday, I'm in love!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

No ponto

Saber escolher as palavras certas, na dose certa é o mesmo que salgar a carne ou apimentar uma comida. Tem que ser certeiro, se não, passa do ponto. As palavras possuem um poder imesurável. Perdem-se nas nossas bocas. Umedecem os olhos. Aceleram o coração. As palavras podem ser flechas ou bençãos. Podem atravessar nossa alma e nos fazer sangrar até a morte. Mas podem nos trazer de volta à vida, também. Encher nossos corações de luz.
O problema é quando não conseguimos falar o que sentimos bem no fundo. É quando as palavras faltam. Entramos em pânico e um silêncio mortal se instala no ar. Ainda bem que ainda temos os nossos olhos para falarem por nós quando não nenhum som é capaz de sair das nossas bocas.

Primeiros Erros

Primeiro veio a necessidade de alimentar, a preocupação com a saúde, o cuidado com as fraldas. Depois veio o conhecer, o decifrar daquela pequena criaturinha de grandes olhos que me encaravam franzidos ainda desacostumados com a claridade do nosso mundo. Veio a ansiedade com doze longos dias de hospital, a insegurança ao levá-la para casa e me julgar incapaz de zelar por aquela pequena indefesa. Sobravam planos e certezas, nunca me passou pela cabeça que as coisas poderiam não sair exatamente da maneira como planejei. Mas depois de tantos cuidados, entre mamadeiras e fraldas e roupas e banhos, algo ainda estava incompleto. E, em um desses longos dias onde me flagrei pasma com a maravilhosa sensação de perceber a pequena moça a quem o destino havia me confiado a vida, consegui finalmente encontrar o espaço ainda vazio.
É do meu feitio planejar, mas a vida não é lugar para vidas linearmente organizadas e perfeitamente dispostas. Helena nasceu desafiando meus planos e eu teria aprendido um pouco mais rápido caso fosse menos resistente e teimosa. Decidiu vir ao mundo (bem) antes do tempo. Já havia me programado para o nascimento, então no dia que fui à médica e saí do consultório com a notícia de que, aos oito meses de gestação, ela não passaria daquele dia, pirei. Depois do nascimento, os planos de trazê-la imediatamente para casa foram igualmente frustrados pelas lições que ela, que acabara de nascer, já teria que me dar. Foram doze dias de internação, encarando firmemente o quarto verde, decorado e vazio. Foram doze dias intermináveis de conversas com enfermeiras, sentada numa poltrona preta em uma pequena sala onde ficava a morada provisória da mocinha. Sutis goles de paciência que eu bebia à força. Em casa, a decisão de dormir no seu próprio quarto foi desaconselhada pelos médicos (e mais uma das minhas determinações pelo ralo) pois prematura ela precisaria de cuidados especiais.
Foi então que, num desses longos dias de que já falei, pude finalmente me dar conta do que faltava em todos os meus planos e em mim. O que faltou nos planos foi rasgar os planos. O que faltou em mim foi espaço para a intuição, para deixar o coração na mão, para me entregar a um amor que eu não saberia como mensurar ou mesmo como explicar. Faltou em todo o meu planejamento deixar espaço para o amor. Faltou deixar o amor fluir naturalmente, ditar seu ritmo, fazer sua parte. E foi encarando enquanto ela dormia tranquilamente que me veio a certeza de que a maior prova de amor é o improviso. É deixar o amor falar mais alto. É dar importância, além da alimentação e das fraldas limpas, ao tempo. É valorizar cada descoberta, cada minuto. O amor constrói a confiança, a segurança, a tranquilidade. O amor engrandece o maior dos amores, alimenta a felicidade. O amor improvisa e não se cansa de acertar.

P.S. E ontem ela já dormiu no seu quarto.

domingo, 7 de agosto de 2011

Se Eu Soubesse



"Ah, se eu soubesse nem olhava a lagoa
Não ia mais à praia
De noite não gingava a saia, não dormia nua
Pobre de mim
Sonhar contigo, jamais

Ah, se eu pudesse não caía na tua
Conversa mole, outra vez
Não dava mole à tua pessoa
Te abandonava prostrado a meus pés
Fugia nos braços de um outro rapaz

Mas acontece que eu sorri para ti
E aí, larari, lairiri..."

(Chico Buarque e Thais Gulin)



Do novo e maravilhoso cd "Chico".

sábado, 6 de agosto de 2011

Abstinência

Somos todos dependentes, viciados, cheios de manias. Dependentes em diversos graus, mas sempre dependentes de algo (ou alguém). Viciados em drogas, em álcool, em sono, em comida, em sentimentos, em sensações. Com tiques, manias ou hábitos, e que aí cada um se sinta à vontade para dar o nome que lhe couber. Sou viciada, dependente, maniática por sensações. Por reviver os fantasmas. Uso das músicas, das poesias, dos sonhos, das lembranças e de todos artifícios que consigo para aproximar as assombrações das quais deveria fugir. 
Volto a cena quantas vezes forem necessárias para lembrar a cor dos arranjos que ficavam em cima da mesa, para tatear novamente o mesmo corpo, para provar uma vez mais aquele vinho. Ponho sempre a mesma música para começar a escrever sobre qualquer assunto; a mesma música há tanto tempo, há tanta distância, há tanto... Abre sempre uma fenda no meio do peito. E eu gosto. Gosto do sabor amargo e da dor suportável que causa no peito cada um dos tuns dessa música porcaria que sei lá por que razão elegi para ser A música. E depois dela, sempre a mesma sequência. De músicas, sabores e pensamentos. Sempre a mesma necessidade - e, pasmem, vontade - de sofrer os mesmos atos, de perguntar os mesmos porquês, de revolver pela milésima vez o buraco que já deveria ter fechado.
Há fendas que nunca fecham. Sou uma daquelas que remexe até o final. Eu não me contento com o recalque, com a dor dissimulada, com o sofrimento mal vivido. Vivo até a última gota que brota da ferida que não vai fechar, saboreio o desprazer dos erros e dos acertos. Acertar também pode ser amargo e dolorido. Fazer o que é certo nem sempre é se fazer feliz. Sou feliz dentro da infelicidade de poder passar o resto da minha vida mastigando o sabor das escolhas que (não) fiz, redescobrindo sensações em cada cena que já passou. Como um filme que revejo pela milésima vez. A mesma trilha, mesmas falas, mas sempre um novo ângulo para se surpreender.

E a ausência desses goles de dor e prazer são a minha crise de abstinência. A razão pela qual perco as palavras, os sentidos e a vida da ponta dos dedos. Sou uma viciada em viver novamente aquilo que jamais deveria ser revivido.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Não consigo escrever. Deu pane.
Travou tudo. 
O então pequeno vazio engoliu o todo.
Preciso colocar de novo a cara no espelho, me encarar, me enxergar, me ver.
Redescobrir o que restou.

Me atirei ao precipício. Preciso de novo me encontrar.

terça-feira, 26 de julho de 2011

A cabeça demora um tempo para reorganizar os pensamentos. Os olhos demoram algum tempo para conseguir voltar a focar algo além dos minúsculos dedos que apertam meu nariz logo pela manhã. Não perdemos, apenas readequamos o foco. Preciso lhe contar algumas coisas, lhe confessar alguns segredos que me invadiram nos últimos tempos, preciso lhe dizer que ele esteve aqui, que ele vasculhou a nossa casa e os nossos retratos, porém guardarei para lhe dizer todas essas coisas assim que eu puder ordená-las de forma mesmo mais ou menos mas com alguma maneira que faça sentido. Por hoje eu só gostaria de olhar nos seus olhos e dizer que estou feliz, sem mais. Que os meus pensamentos e a minha vigia estão em torno de algo que sempre desejei e sempre pareceu distante e até mesmo inatingível e hoje estou realizada ouvindo músicas, comendo minhas bolachas brancas e envolvida no cheiro doce que não me abandona mais.
Volto outra hora para poder lhe contar todas as coisas que me aconteceram enquanto eu estive longe de mim mesma.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Aos amores

Todo mundo sabe como o amor começa.

O amor começa com um olhar, um beijo, um cheiro. Começa com a cumplicidade, com os dedos entrelaçados, as juras de amor eterno e as noites intermináveis sob um céu cravejado de estrelas. Todo mundo sabe como o amor começa e como o amor acaba, mas poucas pessoas conseguem descobrir como o amor se mantém.
O amor se mantém com as bolachas amanteigadas, se prolonga no sabor da geleia de frutas espalhada sobre as torradas, engrandece com o encaixe dos corações estampados nas xícaras, se multiplica na espuma que se avoluma sobre a louça da cozinha. O amor se alimenta do rastro da bagunça que ela deixou, dos cabelos perdidos nos azulejos do banheiro, das flores que ele embrulha pela casa, das manias que ela compartilha em silêncio.
O amor começa com dois e se prolonga com três. Cresce infinitamente com uma pele rosada e minúsculos pés que se cruzam de felicidade. O amor se materializa com um choro fino e um cheiro doce, um par de olhos brilhantes e bochechas gordinhas - e amarelas. E é nesse ponto, entre biscoitos e canecas, entre móveis e paredes, entre sonhos e realidade, que o amor toma sua real forma e se torna verdadeiramente infinito (e deliciosamente mais bonito).


Originalmente rabiscado no primeiro pedaço de papel que encontrei pela frente.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Perdi as Chaves

As cobertas entrelaçavam as minhas pernas e me lembravam de quando você as puxava para si. Hoje tenho todas para mim e nunca passei tanto frio. O café esfriou, a luz apagou, a porta fechou. Tudo parou aqui dentro. Há de fato um vento gelado que aumenta nos finais de semana, junto aos goles de uísque que descem queimando minha garganta cheia de palavras trancafiadas.

Se, por acaso, um dia me perguntarem o que mais me lembro de você vou dizer que é quando enrolava seu cabelo com as pontas dos dedos delicadamente e deixava seu pensamento voar longe. Ninguém seria capaz de adivinhar o que se passava na sua cabeça nessas horas. Você ainda tem esse hábito? Diria na verdade que você brinca com esses seus belos longos fios cor de ouro. Como estará seu cabelo? Por favor, nunca o corte.

Puxa, o tempo passou rápido. Já não foi ontem que lhe vi pela última vez. Incrível como o tempo pode roubar os momentos para si. Tomou-me meu presente e o transformou em seu passado. Queria dizer que meu presente anda bem. Que anda leve, que anda tranqüilo. Mas não, infelizmente. Acho que escolhi me tornar distante de tudo, de todos. Ando lendo muito. Ando caminhando sozinho, olhando para o chão. Talvez queira encontrar alguma pista na calçada de algum caminho que deva tomar. Ou talvez não queira melhorar. Estou agarrado demais a minha tristeza, a minha solidão. Apeguei-me a ela. Fico me perguntando se haverá alguém para me acordar desse sono profundo em que me encontro ultimamente. Tem sido uma fase estranha em minha vida, verdade.

Mas o que mais me incomoda é esse espaço que há entre nós. Há tanto espaço em minha vida também mal preenchido. As coisas saíram do lugar. Eu acordei e além do frio, senti como se minha vida não fosse minha. Parece que perdi o que eu tinha de especial. Ou talvez fosse você que me lembrava das coisas especiais que eu possuía dentro de mim. Tenho a impressão que perdi as chaves de casa. Escondi tão bem que eu me esqueci de onde as guardei. E agora? Como faço para entrar? Como faço para ter você de volta?

domingo, 10 de julho de 2011

Espatódea


Em homenagem ao maior amor do mundo, que ainda estou descobrindo, tocando, cheirando, conhecendo.
Uma música, pois não tenho ainda palavras.
Quando tiver, prometo que venho aqui louvar o amor mais cheiroso e delicado que já conheci.

domingo, 3 de julho de 2011

as horas, a carta

Uma hora dessas eu vou sentar aqui para te escrever uma carta e dizer de todas as angústias que eu sinto, de todos os amores que eu tenho e de todo o tempo que te carrego aqui dentro. Alguma hora eu vou parar de rabiscar teu nome nos cadernos e vou finalmente atualizar o livro colorido com as páginas que já merecem teu nome e com as mudanças que tu já trazes e com todo o amor que já representas. Nessa hora eu vou deixar transparecer tudo o que escondi durante os últimos tempos e vou deixar que todos saibam o tamanho da falta de palavras e de nexos e de sensações para expressar os pequenos carinhos que recebo e todas as demonstrações tão sutis que me deixam ainda mais sem fôlego e com um tantinho a mais de felicidade, bem no meio desse coração que bate por três.

sábado, 25 de junho de 2011

Querido Diário


""Querido diário"
Hoje o inimigo veio,veio me espreitar
Armou tocaia lána curva do rio
Trouxe um porrete, um porrete a "mode" me quebrar
mas eu não quebro não, porque sou macio, viu?!"

(Chico Buarque)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

a pessoa certa

Não basta ser a pessoa certa. Tem que ser a pessoa certa no lugar certo, com o olhar certo, com o caminho certo, com as dúvidas certas, com o mesmo coração na mão, a mesma incerteza no bolso e a mesma cabeça cheia de planos. Não basta ser a pessoa certa. Ela tem que ser a pessoa. Tem que encher o peito com as vontades que jamais alguém inspirou, tem que dar vontade de voar, tem que fazer largar tudo, tem que fazer rasgar os planos, mudar, mudar e mudar tudo de novo se for necessário. Tem que ser alguém por quem dançar na chuva, por quem correr na rua, por quem fazer surpresas, por quem se emocionar e largar tudo. Tem que ser aquele alguém que aperta o estômago, que faz suar as mãos, que faz pular o coração da boca, que faz sorrir, que faz chorar de emoção. Tem que ser o alguém que não faz sentir nenhuma borboleta, nem nenhum coração pulante nem nenhum choro... Tem que ser aquele alguém que nos desperta um amor real, possível e verdadeiro. O alguém que nos enche de confiança e faz transbordar plenitude, mesmo sem as mãos suadas, sem o estômago atordoado de sensações, sem as nuvens sob os pés. 
Não basta ser a pessoa certa. Temos que ser a sua pessoa certa também.

Tem que ser alguém capaz de nos encher a vida de vida, o coração de amor e o rosto de sorrisos.
De forma simples, sutil, mas arrebatadora.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ecos

A mesma frase gerou o mesmo arrepio, depois de muito mais que alguns anos. Aquela frase ecoou pelo banheiro, retumbou nos vidros, arranhou o som do vinil que tocava e se espalhou pela casa inteira da mesma forma que havia se misturado tão sutilmente a ela e já há tanto que ela não mais a sentia. Aquelas palavras ainda estavam guardadas, desde a última vez que as ouvira e mesmo sem lembrar que elas alguma vez haviam sido ditas.

"Vai ver o que me incomoda tanto é que eu não sei se conseguiria te fazer tão feliz como ele fez, ou te fazer gostar de mim do jeito especial que tu gostou dele."

E ele jamais conseguiuria. De verdade.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Uma brecha

Há sempre um momento de lucidez na nossa vida. Um momento que o tempo pára e temos a opção de esolher. Sim! Há sempre aquele segundo em que estamos atentos às coisas a nossa volta e podemos decidir continuar, parar ou atravessar a rua. É como se o sinal estivesse vermelho. Um breve momento de consciência, é o que eu chamaria.
E esse momento sempre existe. Mesmo que não saibamos o que fazer com ele. Mesmo preferindo. às vezes, fechar os olhos e deixar que a vida nos mostre se erramos ou se acertamos. Porém, é preferível que não se desperdice essa chance quando nosso coração nos dá uma brecha. Porque nunca sabemos quando isso acontecerá de novo.

Cantando no Toró/ Grande Hotel


"Pensas que não sou feliz
Entras com roupa de estreia
Deves saber que ando louco
Louco pra mudar de ideia"

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Cobertor

Não há briga que resista à cama. Não há magoa que perdure a noite inteira, não há orgulho que resista ao frio e à divisão das cobertas. Casal que briga à noite é o casal que dorme separado, onde há a ira das portas batendo, das feras esbravejando e não a necessidade de dividir o mesmo cobertor. Casal que dorme junto briga durante o dia e recompõe a paz durante o sono. Costuram a paz com suspiros, bordam o perdão com braços que acidentalmente se tocam ao longo da noite, emendam o sorriso no rosto com os pés que se encontram para vencer a noite fria. Não há casal que resista ao perdão do sono, não há briga que consiga durar depois que, vencendo o orgulho e a teimosia, os dois se encontram abraçados logo ao despertar. O coração dá o seu jeito de conciliar os ânimos: dribla a fúria com o sono, dribla o orgulho com o frio. Na manhã seguinte, resta o pedido de desculpas e já não há mais sentido em questionar quem estava errado. 
O coração também sabe anestesiar a memória.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Lentes

Mantenho o hábito de lustrar as lentes dos óculos de grau com um guardanapo de papel, toda vez que estou sozinha em casa. Não porque a sujeira me perturbe a visão ou pelos pingos de água que caem acidentalmente e deixam pequenas manchas translúcidas nas lentes não me agradem ao me fazer ver um mundo furta-cor. Não protejo meus óculos da sujeira, apenas deixo meus vidrinhos preparados para a rotina. 
Ao chegar em casa, ele carimba com o nariz a esquina das lentes, como se quisesse beijar os meus olhos que, de certa forma, se escondem. Quando chega, deixa sua marca nos meus olhos enquanto me beija, enquanto me abraça, quando não consegue calcular o tamanho exato da distância que nos separa ou da proximidade que nos une. Enquanto está fora, tenho comigo sempre um beijinho à mão, disponível, palpável, carinhoso. Tenho sempre um beijo nos olhos caso queira dormir, tenho sempre uma marca para me fazer companhia nos passos e nos sonhos - pois também não tiro os óculos quando quero dormir no sofá durante a tarde.
Quando está próximo o horário da volta, vou à cozinha e busco o papel para refazer meu pequeno ritual. Purifico meus olhos e limpo os velhos beijos para esperar o novo que, em breve, chegará. Quando ele chega, me carimba com o nariz e enche meus olhos de beijos acidentais. Me espalha a rotina pela casa, dá sentido aos guardanapos que, misteriosamente, se vão tão rápido. Faz minhas manias deixarem de ser secretas e faz minha loucura aparentar algum sentido.
O sentido de te buscar a cada dia.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Vidro

O frasco de perfume se partiu em mil pedaços ao encontrar o piso frio daquele quarto. Sem saber porque, ela desmoronou em prantos ao se deparar com os cacos misturados com o líquido que agora infestava todo o ambiente. Chorava pelo perfume, segurava com apego a tampa, juntava o vidro estilhaçado e temtava entender o motivo de tamanha importância dada ao frasquinho da tampa vermelha. Subitamente, compreendeu que, ajoelhada no chão, agrupava sobre o jornal os cacos de um amor que há muito se desfizera dentro de si e que se conservava unicamente pelo presente dado naquela semana. Ela tentara resistir àquela demolição, mas o coração nunca se deixa controlar pela racionalidade e toma os caminhos que bem quer. Ela chorava, segurando com força o último resquício daquele amor perdido que ela lastimava ter que deixar, o amor construído pelo apego e firmado na insegurança. O pequeno vidrinho era a última união que restara entre os dois e era a maneira que ela havia encontrado de ainda se prender a ele, de ainda se fazer pensar nele; somente com o cheiro que ele escolhera ela ainda se sentia presa por algum fio de compromisso.
Quebrou-se o vidro, ele estava lá, viu tudo, ajudou a catar os cacos e a consolar o que sobrara dela depois daquela tarde de domingo. Ele não sabia que ela chorava pelo fim dos dois, pelo fim que ela tentou evitar mas sempre soube que não conseguiria. Ele não sabia que dentro daquele quarto escorriam pelo chão as últimas gotas do amor que ela tentava preservar, mesmo convicta de que ele já não estava mais lá.
E o amor se foi. Como o perfume que evaporou e sumiu sem deixar rastros.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Cinco Sentidos

Ele se entrega quando tira os óculos. Sei que se entrega quando não precisa mais enxergar nada que esteja além de mim, quando levanta devagar o cabelo e vai descendo com a ponta dos dedos o meu pescoço. Sei que se entrega quando franze a testa para enxergar a expressão que faço do outro lado da cama, quando se perde no meio dos meus abraços e enquanto acaricia minhas costas com a barba fina. Sei que se entrega quando os seus suspiros tomam forma, adquirem ritmo, se tornam música, valsam pela cama e se esparramam pela casa. Sei que se entrega quando relembra datas, quando conta casos, quando dá risada, quando me deixa pequenas surpresas e me traz merengues. Mas sei, principalmente, que ele se entrega quando não me enxerga mais com a visão.
Se entrega quando abdica dos olhos. Se entrega quando passa a me enxergar com as mãos, a me medir com beijos, me contar com o calor da sua respiração. Se entrega quando me ver passa a não fazer nenhum sentido.
"Deixa eu tirar meus óculos" é a sua forma secreta de me dizer eu te amo.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Presentes - o pior do mundo

Fazíamos a lista dos piores presentes que já ganhamos e demorei algum tempo até que pudesse lembrar qual o pior presente que já ganhei de um ex-namorado, pois decidimos deixar de fora os presentes dados pelos familiares e pelas amigas. O pior ganhou o prêmio pois o rapaz passou a ser ex mesmo antes de me namorar, por conta do presente e da tonelada de descaso que transbordava a caixa vermelha recheada de bombons. Teria namorado aquele homem, não fosse o presente que ele me deu nessa infeliz vez. Àquela época, já havia decidido ceder aos insistentes pedidos, quando certo dia chego em casa e vejo em cima da mesa a caixa vermelha e sou informada que ela estava ali à minha espera. Medo, só fui gostar de surpresas depois de velha, naqueles tempos não era adepta das embalagens aleatórias chegando em casa (medo que se acentuou depois do incidente de oncinha, mas é caso para outra história). Tenho horror de quem escolhe presente no chute. Mulheres e homens são igualmente insuportáveis quando querem presentear mas não gastam um neurônio ou dez minutos pensando ou pesquisando algo que o presenteado poderia gostar. Tenho horror desses presentes que transbordam impessoalidade e descaso. Tenho horror que me deem livros - a não ser que saibam exatamente o que estão me dando.

O homem - que agora, relembrando a história, já sinto vontade de chamar de criatura -, me deu um livro. Dentro da embalagem, uma carta muito bonita e que está guardada até hoje na parte que me restou no guarda-roupas na casa da minha mãe. Junto com o livro e a carta, bombons. Logo para mim, que amo doces, ele conseguiu escolher o único bombom que não consigo suportar nem o cheiro. Ainda havia esperança no livro, esperança não só na intenção dele mas esperança de manter o que já tinha decidido. No livro, igualmente frustradas as expectativas. O presente não só era semelhante ao que tinha lhe dado no aniversário, com a sutil diferença que me prestei a saber os livros que ele gostaria de ler e quais os doces gostava de comer, mas transbordava o descaso que abomino tanto. Quando li a primeira página, pude imaginá-lo com pressa, comprando os primeiros bombons e arrancando da prateleira o best-seller que estava mais à mão. Até hoje ele não sabe que se tornou ex muito antes de ser atual e que a culpa foi toda daquele presente; até hoje ele não sabe que eu cogitei que ele pudesse ser o atual.

Desisti da ideia, do namoro, do moço. Imaginava qual seria a minha sina de dias dos namorados, de Natais e aniversários, me imaginava amontoando best-sellers e sacos de doces insuportáveis. Imaginava que, com tamanha desatenção, o próximo presente só poderia ser uma caixa de quindins. 
Impossível namorar quem te dá livro de auto-ajuda com bombons Amor Carioca.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cartas (e caixas) de amor

Guardo todas as cartas de amor num mesmo lugar. Percorro caixas, gavetas e classificadores em busca de mais alguma que tenha ficado perdida dos meus constantes cuidados de guardá-las na caixa preta de bolinhas brancas. Guardo todas as cartas de amor como um grande catálogo, um índice remissivo da minha paixão. Há aquelas que eu nunca consigo armazenar na caixinha que fica à vista bem no meio da sala, são as que se arquivam diante da nossa pequena (?) biblioteca de amor. Colecionamos livros com dedicatórias apaixonadas, como um adiantamento da herança aos nossos filhos. Empilhamos volumes e mais volumes com versos e diversas cartas na primeira e última página, amontoamos bilhetes e letras sublinhadas nos parágrafos dos tantos primeiros capítulos.
Guardo todas as cartas de amor pois não quero me perder nem do amor nem das lembranças. Guardo todas as cartas para que um dia elas sejam  lidas e tocadas por pequenos olhos e dedos curiosos em saber a origem de um amor anterior à sua própria existência. Guardo todas as cartas de amor pois vez por outra recorro à caixa para me deliciar durante a tarde; para que ele nunca se esvaia pelo meio dos nossos dedos. Conservo as cartas com a devoção de quem conserva o próprio amor, como uma forma de vê-lo sempre renascer e florescer diante de belas palavras e de poesias dedicadas. As nossas cartas de amor são como pequenos bombons em tardes de inverno, saboreadas devagar, apreciadas como a música de Elis, valsadas pela casa em silêncio.
Penso em separar os livros com nossas cartas dos outros volumes que se acumulam na nossa casa, em fazer  uma pequena biblioteca do amor - desde que tirei da cabeça a ideia absurda de arrancar as primeiras e últimas páginas de todos eles para que pudesse manter todas juntas na minha caixinha. Guardo todas as cartas como uma parte da herança dos nossos filhos. Para que a eles seja sempre palpável o amor que respiramos uma vida toda.

Oração





"Cabe o meu amor
Cabem 3 vidas inteiras..."

(A Banda Mais Bonita da Cidade)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Terças-feiras de solidão

Admiro quem sabe viver sozinho. Admiro aqueles que nascem sabendo seu lugar no mundo, que se orientam sem precisar de ajuda e que perseguem seus objetivos sem que haja alguém para guiá-los. Admiro quem sabe apreciar a solidão em tempo integral, o único prato na mesa, quem troca os móveis de lugar e fica satisfeito mesmo sem ter ninguém para quem mostrar a nova organização da casa. Eu não sou assim.
Sempre adorei solidão, porém aquela solidão com hora marcada para ter fim, aquela que se esvai com apenas um telefonema ou às quatro da tarde de uma quinta-feira, quando o outro deixou claro que chegaria em casa. Preciso de um tempo sozinha, mas minha solidão não é exigente. Sei ser sozinha com outra pessoa em casa, sei ser mais sozinha com alguém estalando os pratos na cozinha ou arranhando notas de violão pela sala. Com companhia, minha solidão é mais feliz.
Eu admiro e reconheço aqueles que vivem e erguem sozinhos suas vidas, mas pra mim esse caminho não funciona. Fico perdida sem o outro prato na mesa, sem o corpo do outro lado da cama, sem o rastro de toalhas molhadas que torna óbvio que mais alguém esteve ali. Não sei me arrumar para mim mesma, me enfeitar para mim, cozinhar para mim, viver só para mim. Preciso de elogios matinais, beijos inesperados, preciso ouvir o ranger da maçaneta enquanto preparo a comida ou ter a certeza de que há alguém lá, mesmo que do outro lado da casa. De alguém para quem me vestir, de alguém por quem me despir, de alguém em quem pensar em tempo integral. A vida só tem graça quando temos alguém por quem viver.
Hoje é o meu dia de ficar sozinha; são as vinte e quatro horas mais torturantes da semana. É a solidão indesejada, a que não vai ser perturbada nem interrompida, a certeza de que lerei o livro até o fim sem precisar parar para descrever o que leio ou para prestar atenção no que ele lê. Hoje é o dia que viro as costas para a minha casa, vou almoçar fora, remover da memória o lado vazio da cama, o prato e a casa que acordou hoje exatamente como a deixei ontem. Preciso de alguém que interrompa meus pensamentos, critique minha solidão, minha roupa, meu molho, minha maneira de organizar os livros. Preciso de alguém que divida comigo a casa, as tarefas, os sonhos, as angústias e os sentimentos. Preciso de amor, em tempo integral.

domingo, 22 de maio de 2011

tempo

O tempo insiste em não passar. O ponteiro se arrasta levando mais tempo do que o de costume para sair do um e chegar até o dois, os minutos não chegam, as horas não cansam de ficar paradas no mesmo lugar. Nem foi tanto tempo assim, mas é a tortura da incerteza do tempo que ainda falta e do relógio que atormenta com cada movimento que ecoa pela cozinha vazia o que desperta a ansiedade e o nervosismo de nunca chegar. O sono foi brincar com o tempo; insistem os dois em não se fazer voltar para casa. Escrevo "para" em lugar de "pra", para consumir mais alguns dos segundos na leitura silenciosa que faço de cada tecla digitada e de cada movimento incerto no escuro de casa.
Esse tempo não tem fim.
Assim como não teria tudo o que eu poderia querer dizer com isso.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Certezas

Nascemos em cima de convicções. Nossos pais decidem, desde muito antes de nascermos, quais serão os melhores caminhos para nós, se usaremos chupeta ou não, quando tiraremos as fraldas, qual será a idade certa para entrar para a escola, quais as características que deverão ser aprimoradas desde pequenos para que sejamos pessoas boas e honradas. Crescemos em cima de convicções. Cremos que seremos os melhores para nós mesmos - ou para os nossos pais e seus anseios -, que a escola é o único caminho de nos tornarmos alguém, que a faculdade é a única opção após o ensino médio, que a vida possui um roteiro a ser seguido para que não soframos ou nos decepcionemos e que, caso nos desviemos do caminho inflexível que ensinam desde que nascemos, seremos infelizes e frustrados. Crescemos acreditando que homens bem-sucedidos são aqueles que têm carro do ano, casa própria e diploma na mão; mulheres felizes são as que conjugam diversas funções, são as que nunca cogitariam abandonar a faculdade ou a profissão para se dedicar aos filhos, à casa ou simplesmente à musica ou alguma atividade que lhes dê mais prazer do que algo que traga dinheiro.
Nascemos e crescemos reproduzindo certezas, convicções infundadas e apenas repassadas de pai para filho, sem muitas vezes questionar se é essa a vida que queremos levar, se fazemos questão da faculdade, do carro zero, da segurança financeira. Nascemos e crescemos construindo, acumulando e reproduzindo frustrações. Quando crescemos mais um pouco e de dentro de nós está próxima a saída de um ser indefeso diante de tantas convicções, repensamos muitas das coisas que nossos pais e todos ao nosso redor sempre ensinaram como o certo a fazer. Questionamos as atitudes e as posturas daqueles que, apesar de terem pregado tantos ideais, muitas vezes se desviaram do caminho ensinado - seja por vontade, por falta de outra opção, seja para consertar algo que ficou para trás, seja para recuperar um tempo dado como perdido. Questionamos os valores que construímos para as nossas vidas e se realmente são aquilo que queremos e devemos passar adiante e, assustadoramente, descobrimos que uma reciclagem de nossos hábitos e principalmente de nossos pensamentos é necessária para que não sejamos responsáveis pela formação de alguém infeliz na sua essência.
Depois de um tempo, conseguimos libertar um pedacinho de nós mesmos dessas certezas absurdas e do molde ao qual tentávamos a vida toda nos adaptar e que, por alguma razão, não nos caía muito bem. Depois de um tempo, conseguimos perceber que nem sempre as convicções são tão convictas assim e que as certezas se esvaem diante da primeira pergunta a qual a submetemos. Depois de algum tempo, na ânsia de sermos diferentes, de proporcionar aos nossos uma perspectiva mais humana e a possibilidade de um pouco menos de frustração do que os nossos pais, mesmo que com a melhor das intenções, puderam nos proporcionar, reconsideramos as nossas atitudes diante da vida e reavaliamos a importância de diversas atitudes na composição daquilo que chamamos felicidade. Temos que descobrir sozinhos o caminho da felicidade e aprendemos da maneira mais difícil que a vida não é linear nem rígida, temos que nos descobrir e encontrar sozinhos o caminho que nos realiza, precisamos enxergar que os próximos passos serão sempre opções e não sentenças, que a felicidade pode se esconder atrás das menores coisas e que alguns de nós nunca nos consideraremos felizes apesar do carro do ano, a casa própria, o marido e os dos filhos.

Os pais não nos ensinam mas, depois de um tempo, percebemos que o amor supera as certezas e, principalmente, a falta delas. Os pais também têm que guardar os seus segredos, têm que nos cobrir de certezas para que possamos reagir, nos descobrir delas e encontrar nossos caminhos. 
O bom da vida é se mover de paixão, do despertar ao adormecer.

P.S.- ainda agradeço à minha mãe pelos conselhos com as drogas, com as minhas escolhas e, ultimamente, com as roupas de bebê. A felicidade ela confiou que eu descobriria sozinha, ela nunca duvidou que eu conseguiria.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Caos

As pessoas dizem que não sabem o momento em que elas se apaixonam. Mas elas sabem, sim, o momento em que elas se dão conta disso. A gente vive esperando por momentos assim, e quando acontecem, não sabemos o que fazer. E de repente, tudo fica mais complicado. Deixamos de ser seres racionais. Parece que dependemos da sorte, do telefonema, do convite. Quando ficamos tão desesperadas por atenção? Quando mudamos o foco? É por isso que não nos apaixonamos todas as semanas. Imagina, esse caos toda segunda-feira?

terça-feira, 10 de maio de 2011

Diga


"Todo mundo sabe o que existe entre nós dois
Diga tudo agora e não depois..."

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sentimentos - para as paredes 009

Hoje eu li algo que falava sobre paixão, que exalava paixão. Não aquela paixão da carne, não a paixão física, não por alguém, não a paixão direcionada, mas li sobre uma vida que se definia como sendo puramente paixão. Simples paixão.
Fiquei surpresa, atordoada com aquele tanto de paixão e comecei a procurar em mim onde estariam os vestígios dessa paixão gratuita, se é que ela existe em mim. Procurando paixão, encontrei-a nos lugares mais óbvios, consegui materializar a palavra em alguns rostos somados com mais uma meia dúzia de outras palavras igualmente apaixonantes, consegui encontrar paixão em alguns gestos, em determinadas atitudes e em uma pequena quantidade de objetos. Em nenhum lugar consegui encontrar aquela paixão gratuita. Não encontrei paixão em nada que faço além das atividades cotidianas. Tentei reduzir a significação de paixão para prazer - novamente não o físico, não o direcionado, não o personificado -, mas o prazer em algo além das obrigações cotidianas. Busquei o prazer e só consegui encontrar sentido semelhante nas coisas que não faço mais, nas coisas que não me permito mais. Encontrei em alguma quantidade significativa de livros, em algum gênero de música, em uma breve exposição ao sol e em alguns longos passeios despretensiosos pelas ruas de uma cidade quase desconhecida. Não consegui encontrar nada na minha rotina que me remetesse a paixão e prazer e que estivesse ligado somente a mim, sem personificação, sem rostos, sem terceira pessoa. Não consegui encontrar nem um rastro de paixão nas aulas que assisto, nos livros que sou obrigada a ler, nas pessoas com quem me deparo durante toda a semana. Ainda um pouco perdida nas buscas de significados no interior e na briga pela redução de sentidos para me convencer que nem tudo está tão perdido assim, tentei uma última redução. Busquei a satisfação, como algum rastro da generalização da paixão e em seguida do prazer também. Encontrei satisfação nas mesmas coisas onde encontrei paixão e prazer, mas não a encontrei onde já não havia encontrado seus irmãos mais velhos. Encontrei uma fresta de sol por entre as nuvens que hoje insistem em acinzentar o céu e que penetra com timidez a minha sala e encontra minhas pernas estiradas no sofá. Encontrei um rasgo recém aberto no peito com aquela frase que falava de paixão. Só não encontrei a satisfação nas coisas que precisava encontrar.
Mas às vezes é bom rasgar tudo, se perder. Uma leve batida de depressão faz todo o sentido com uma segunda-feira pela manhã. Vou sair buscando paixão, preciso me apaixonar, buscando vida, alguns sorrisos e, caso não encontre nada, pelo menos ganho as esperanças de um sol que conseguiu se desprender de trás das nuvens.