quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Too Late

Era tarde, era tarde na minha vida e tu apareceste. Inebriada já, insensata, talvez, teus olhos que até hoje não sei de que cor eram refletiam ao mesmo tempo meu desespero e minha tranquilidade diante daquela noite, diante daquele bar. Acho que eu não esperava aquilo, talvez, eu não esperasse nada, mesmo. Contei os degraus pensando que me beijarias lá em cima. Às vezes fico pensando se eu leio bem as pessoas ou elas que são tremendamente previsíveis. Mas nem tudo estava previsto, ora, ora... se estivesse, provavelmente não estaria contando e recontando essa noite aqui.
A verdade é que tive muitas noites. Eu conheci muita gente. Não tantas quanto eu gostaria, mas o suficiente pra conseguir mensurar esta em especial. E eu vi tanta, mas tanta beleza e sinceridade no que aconteceu ali. Da minha maneira torta, eu consegui esquecer meu mundo lá fora. Meu passado. Meu futuro. A noite tinha uma dimensão de vida e morte simultaneamente. E cada copo que eu bebia, tinha gosto de liberdade.
Os fantasmas que me atordoavam, calaram. Meu riso se fez largo. Meus pés, te seguiam. E entre abraços e olhares, nos fundíamos ao lugar, à musica, à alegria. Elis era Piaf e cantava alto... e eu? Eu cantava mais alto ainda... A noite se fez dia no calor que nos unia. Eu mal entendia o teu olhar, de quem se surpreendia, de quem se encantava e sorria ao me ver sorrir. Poder encontrar conforto e semelhança em lugares vazios, naquele dia me mostrou mais do que eu podia enxergar, pois quando fui embora, vi que não estava preparada pra ser feliz assim. Eu tinha medo. Existia muita coisa presa aqui fora, na vida real, muitos nós, muitas conversas inacabadas e sentimentos confusos. Existia muito trabalho pra mim pra poder largar tudo e passar a viver assim, de mãos dadas com aquele desconhecido. Mas a ilusão é doce, me vestiu bem naquele momento. E agora, quando fora a hora, eu saberei reconhecer e procurar no lugar certo.

sábado, 15 de agosto de 2015

Me(i)a Culpa

É injusto dizer que de nós dois não restou nada, embora precise fazer força para trazer a tona as evocações que Ana me pede com tanta insistência por não crer na possibilidade que quase tudo tenha desaparecido nesse dilatar dos tempos. É injusto reduzir o que fomos (ou será o que somos?) a esse bloco de notas, ao tocador de músicas que repete sem cansar as faixas na tentativa de rememorar aquele gosto, ao vidro que guardava para lançar contra a luz e reproduzir fielmente a cor dos teus olhos e que já não tenho vontade de olhar.

Dividamos a culpa das injustiças, do afastamento, de todos os nossos desencontros. Assumo minha metade nas tantas vezes que silenciei tua boca com o dedo indicador para impedir teus lábios de pronunciarem um eu te amo. Assumo minha metade no orgulho que me fez imóvel quando deveria ter batido uma vez mais na tua porta - eu sei que estavas atrás dela me ouvindo chamar. Assumo minha metade sem culpa nas vezes em que enlouquecidamente te quis e busquei enquanto insistias para que eu fosse embora.

Peço-te a tua metade e cobro a conta pelos momentos em que olhei pra trás esperando te encontrar me buscando... não encontrei. A tua parte que me cabe nas inconsistências, nas idas e vindas tão frequentes e cronometradas quanto as cheias das marés inspiradas pela lua que se expande e contrai. A tua parte nas músicas que me levaram a loucura e que sei que fizeste de propósito. No passo derradeiro, no alcance da mão, no sequestro anunciado com a música ensurdecedora, me deixaste ir embora todas as vezes, deleitado na certeza de me ver voltar.

É injusto dizer que de nós dois não restou nada. Restou a conta em aberto, somas por acertar, restou o desencontro dos olhos que não se veem nem para equalizar as dívidas. Restou a vontade de te ver cais, de deixar de ser farol e passar, um dia quem sabe, a navegar com a certeza de te encontrar onde sempre foste insegurança. Restou a vontade de fazer o reverso, de em ti encontrar calmaria. Injusto, não?