terça-feira, 9 de outubro de 2012

Invisível Visibilidade

Foi um dia comum, ontem. Até que ela parou e, na saída do restaurante, acenou para uma criatura visivelmente invisível e longamente conhecida dos frequentadores do local. Heleninha parou, encarou o velho senhor maltrapilho que pedia moedas em um copo de requeijão e imediatamente se dirigiu a ele, abanando efusivamente. Ela queria me ensinar que nós construímos a invisibilidade daqueles que estão ao nosso lado. Como todos os outros, eu fingia - e me envergonho profundamente disso - que ele não estava ali. Fingia que não via a sua miséria, sua tristeza, sua dificuldade para falar e as mãos corroídas pelo tempo. Ignorei a sua decrepitude para não ter que encarar a miserável que a vida fez de mim. Ela parou, tirou o bico da boca e logo ofereceu ao senhor, que riu. Naquele momento, ele foi vestido da visibilidade de que o privamos todos os dias, enquanto não encaramos suas misérias para não esbarrar na nossa própria mesquinharia. Ela parou e conversou na sua língua ininteligível com o senhor invisível, que respondeu prontamente. Senti vergonha de mim e, confesso, não agi para mudar a minha atitude. Estava abismada com a lição que tinha acabado de aprender com ela, tão pequena, tão leve e tão certa. Ela que não consegue ver os mantos de invisibilidade a que condenamos os nossos semelhantes, ela que ainda enxerga a dor dos outros como se fosse sua, ela que me mostrou que ele é tão visível quanto a "mama", que ela chamou em seguida. Me aproximei. Ele era real, era um homem, tinha os olhos tristes de quem só observa e vê os outros passando. Ele tinha uma fala contida, quase muda, de quem se acostumou a não ser ouvido.
O senhor maltrapilho e a bebê com passos ainda desequilibrados me ensinaram que os invisíveis somos nós que fazemos; me despertaram de um profundo sono de insensibilidade. Me deram uma segunda chance.
Ela deu tchau. Os olhos dele não saíram mais da minha memória.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Mas aí..

Para onde foste, amor? Em quê se transformou a ausência das palavras doces? Em que encruzilhada da vida te perdeste ou mudaste de rumo? Acordei pensando que a saudade virara um hábito. Pensar em ti é quase inevitável, porém vivo em um mausoléu de promessas e declarações fora de contexto.
As imagens vão ficando escuras e nesse momento há um pedaço de mim que sofre. Tenho saudades desse amor que não sei onde está. Sinto saudades da promessa do fantástico que era te ver. Sinto falta dos telefonemas tardios. Da nossa troca de olhares perdidos. De alimentar nossa história com fantasia. 
Não vejo nada muito claramente.  Parece que um foco de luz atrapalha minha visão. Uso óculos escuros para poder enxergar melhor, mas às vezes, sabe como é, nada adianta. Aí eu voô longe, quem me olha logo vê que estou viajando pelo espaço que nos une ainda, no tempo em que tudo fazia sentido. 
Acho que no fundo, te preparaste bem. A tua queda não foi alta, construíste em volta um muro e me deixaste do lado de fora. Medo de quê, meu bem? Te forçaste a me esquecer. Assim, enjoaste das minha filosofias e dos meus vícios de linguagem. A vida agitada, te agitou também por dentro. E minha calma já não agradava mais. Mas aí me ligas... para dizer o quê mesmo? Mas aí me ligas, e eu me apaixono de novo. E aí... pouco importa.