sábado, 25 de junho de 2011

Querido Diário


""Querido diário"
Hoje o inimigo veio,veio me espreitar
Armou tocaia lána curva do rio
Trouxe um porrete, um porrete a "mode" me quebrar
mas eu não quebro não, porque sou macio, viu?!"

(Chico Buarque)

sexta-feira, 24 de junho de 2011

a pessoa certa

Não basta ser a pessoa certa. Tem que ser a pessoa certa no lugar certo, com o olhar certo, com o caminho certo, com as dúvidas certas, com o mesmo coração na mão, a mesma incerteza no bolso e a mesma cabeça cheia de planos. Não basta ser a pessoa certa. Ela tem que ser a pessoa. Tem que encher o peito com as vontades que jamais alguém inspirou, tem que dar vontade de voar, tem que fazer largar tudo, tem que fazer rasgar os planos, mudar, mudar e mudar tudo de novo se for necessário. Tem que ser alguém por quem dançar na chuva, por quem correr na rua, por quem fazer surpresas, por quem se emocionar e largar tudo. Tem que ser aquele alguém que aperta o estômago, que faz suar as mãos, que faz pular o coração da boca, que faz sorrir, que faz chorar de emoção. Tem que ser o alguém que não faz sentir nenhuma borboleta, nem nenhum coração pulante nem nenhum choro... Tem que ser aquele alguém que nos desperta um amor real, possível e verdadeiro. O alguém que nos enche de confiança e faz transbordar plenitude, mesmo sem as mãos suadas, sem o estômago atordoado de sensações, sem as nuvens sob os pés. 
Não basta ser a pessoa certa. Temos que ser a sua pessoa certa também.

Tem que ser alguém capaz de nos encher a vida de vida, o coração de amor e o rosto de sorrisos.
De forma simples, sutil, mas arrebatadora.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ecos

A mesma frase gerou o mesmo arrepio, depois de muito mais que alguns anos. Aquela frase ecoou pelo banheiro, retumbou nos vidros, arranhou o som do vinil que tocava e se espalhou pela casa inteira da mesma forma que havia se misturado tão sutilmente a ela e já há tanto que ela não mais a sentia. Aquelas palavras ainda estavam guardadas, desde a última vez que as ouvira e mesmo sem lembrar que elas alguma vez haviam sido ditas.

"Vai ver o que me incomoda tanto é que eu não sei se conseguiria te fazer tão feliz como ele fez, ou te fazer gostar de mim do jeito especial que tu gostou dele."

E ele jamais conseguiuria. De verdade.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Uma brecha

Há sempre um momento de lucidez na nossa vida. Um momento que o tempo pára e temos a opção de esolher. Sim! Há sempre aquele segundo em que estamos atentos às coisas a nossa volta e podemos decidir continuar, parar ou atravessar a rua. É como se o sinal estivesse vermelho. Um breve momento de consciência, é o que eu chamaria.
E esse momento sempre existe. Mesmo que não saibamos o que fazer com ele. Mesmo preferindo. às vezes, fechar os olhos e deixar que a vida nos mostre se erramos ou se acertamos. Porém, é preferível que não se desperdice essa chance quando nosso coração nos dá uma brecha. Porque nunca sabemos quando isso acontecerá de novo.

Cantando no Toró/ Grande Hotel


"Pensas que não sou feliz
Entras com roupa de estreia
Deves saber que ando louco
Louco pra mudar de ideia"

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Cobertor

Não há briga que resista à cama. Não há magoa que perdure a noite inteira, não há orgulho que resista ao frio e à divisão das cobertas. Casal que briga à noite é o casal que dorme separado, onde há a ira das portas batendo, das feras esbravejando e não a necessidade de dividir o mesmo cobertor. Casal que dorme junto briga durante o dia e recompõe a paz durante o sono. Costuram a paz com suspiros, bordam o perdão com braços que acidentalmente se tocam ao longo da noite, emendam o sorriso no rosto com os pés que se encontram para vencer a noite fria. Não há casal que resista ao perdão do sono, não há briga que consiga durar depois que, vencendo o orgulho e a teimosia, os dois se encontram abraçados logo ao despertar. O coração dá o seu jeito de conciliar os ânimos: dribla a fúria com o sono, dribla o orgulho com o frio. Na manhã seguinte, resta o pedido de desculpas e já não há mais sentido em questionar quem estava errado. 
O coração também sabe anestesiar a memória.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Lentes

Mantenho o hábito de lustrar as lentes dos óculos de grau com um guardanapo de papel, toda vez que estou sozinha em casa. Não porque a sujeira me perturbe a visão ou pelos pingos de água que caem acidentalmente e deixam pequenas manchas translúcidas nas lentes não me agradem ao me fazer ver um mundo furta-cor. Não protejo meus óculos da sujeira, apenas deixo meus vidrinhos preparados para a rotina. 
Ao chegar em casa, ele carimba com o nariz a esquina das lentes, como se quisesse beijar os meus olhos que, de certa forma, se escondem. Quando chega, deixa sua marca nos meus olhos enquanto me beija, enquanto me abraça, quando não consegue calcular o tamanho exato da distância que nos separa ou da proximidade que nos une. Enquanto está fora, tenho comigo sempre um beijinho à mão, disponível, palpável, carinhoso. Tenho sempre um beijo nos olhos caso queira dormir, tenho sempre uma marca para me fazer companhia nos passos e nos sonhos - pois também não tiro os óculos quando quero dormir no sofá durante a tarde.
Quando está próximo o horário da volta, vou à cozinha e busco o papel para refazer meu pequeno ritual. Purifico meus olhos e limpo os velhos beijos para esperar o novo que, em breve, chegará. Quando ele chega, me carimba com o nariz e enche meus olhos de beijos acidentais. Me espalha a rotina pela casa, dá sentido aos guardanapos que, misteriosamente, se vão tão rápido. Faz minhas manias deixarem de ser secretas e faz minha loucura aparentar algum sentido.
O sentido de te buscar a cada dia.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Vidro

O frasco de perfume se partiu em mil pedaços ao encontrar o piso frio daquele quarto. Sem saber porque, ela desmoronou em prantos ao se deparar com os cacos misturados com o líquido que agora infestava todo o ambiente. Chorava pelo perfume, segurava com apego a tampa, juntava o vidro estilhaçado e temtava entender o motivo de tamanha importância dada ao frasquinho da tampa vermelha. Subitamente, compreendeu que, ajoelhada no chão, agrupava sobre o jornal os cacos de um amor que há muito se desfizera dentro de si e que se conservava unicamente pelo presente dado naquela semana. Ela tentara resistir àquela demolição, mas o coração nunca se deixa controlar pela racionalidade e toma os caminhos que bem quer. Ela chorava, segurando com força o último resquício daquele amor perdido que ela lastimava ter que deixar, o amor construído pelo apego e firmado na insegurança. O pequeno vidrinho era a última união que restara entre os dois e era a maneira que ela havia encontrado de ainda se prender a ele, de ainda se fazer pensar nele; somente com o cheiro que ele escolhera ela ainda se sentia presa por algum fio de compromisso.
Quebrou-se o vidro, ele estava lá, viu tudo, ajudou a catar os cacos e a consolar o que sobrara dela depois daquela tarde de domingo. Ele não sabia que ela chorava pelo fim dos dois, pelo fim que ela tentou evitar mas sempre soube que não conseguiria. Ele não sabia que dentro daquele quarto escorriam pelo chão as últimas gotas do amor que ela tentava preservar, mesmo convicta de que ele já não estava mais lá.
E o amor se foi. Como o perfume que evaporou e sumiu sem deixar rastros.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Cinco Sentidos

Ele se entrega quando tira os óculos. Sei que se entrega quando não precisa mais enxergar nada que esteja além de mim, quando levanta devagar o cabelo e vai descendo com a ponta dos dedos o meu pescoço. Sei que se entrega quando franze a testa para enxergar a expressão que faço do outro lado da cama, quando se perde no meio dos meus abraços e enquanto acaricia minhas costas com a barba fina. Sei que se entrega quando os seus suspiros tomam forma, adquirem ritmo, se tornam música, valsam pela cama e se esparramam pela casa. Sei que se entrega quando relembra datas, quando conta casos, quando dá risada, quando me deixa pequenas surpresas e me traz merengues. Mas sei, principalmente, que ele se entrega quando não me enxerga mais com a visão.
Se entrega quando abdica dos olhos. Se entrega quando passa a me enxergar com as mãos, a me medir com beijos, me contar com o calor da sua respiração. Se entrega quando me ver passa a não fazer nenhum sentido.
"Deixa eu tirar meus óculos" é a sua forma secreta de me dizer eu te amo.