domingo, 13 de novembro de 2011

O sofá, as pernas... te amo

Não peço licença. Vou esparramando as minhas pernas por cima das tuas tão logo me aconchego do teu lado. Não sei pedir permissão, não sei esperar um convite. Vou ocupando o espaço que me confunde ao não se definir bem se teu ou meu, se meu corpo ou teu corpo. Vou enchendo o teu espaço de mim, com as minhas pernas preguiçosas que insistem em se espalhar por cima das tuas. Uma vez tu mesmo me disse que, no dia em que eu começasse a pedir licença ou por favor para me espalhar pelo teu corpo seria porque nosso amor acabou. E ele não acabou. Ainda me tira o ar como naquela primeira vez em que te encontrei e passei a noite com o telefone na mão esperando uma desculpa para poder te ligar - e, curiosamente, tu também - e como em tantas outras primeiras vezes, que são caso para outra história. Não peço licença desde que entrei na tua vida, não pedi licença da primeira vez que arranquei o número do telefone dos teus olhos e nem da primeira vez que entrei na tua casa e fui logo colocando as coisas da minha maneira. Não sei pedir licença desde que invadimos um a vida do outro e não soube mais distinguir a minha da tua; desde que o nosso amor nos une de um jeito que dispensa as formalidades.
No sofá, sem nunca pedir licença, é meu modo secreto de dizer eu te amo.

sábado, 12 de novembro de 2011

Noite Qualquer

Escorreu o corpo pela parede como se fosse um fardo já muito pesado para carregar. Abriu a janela, sentiu pela primeira vez a necessidade de um cigarro entre seus dedos, aceso escondido no pequeno espaço entre a cortina e a parede. Esticou o braço e abriu o chuveiro, agora a água caía firmemente encharcando o vestido comprido. Se imaginou no meio de uma grande tempestade quente de verão, era assim que se sentia, pega de surpresa, desprotegida, prensada por uma limitação muito mais que física. Era fácil arrancar as cortinas, quebrar os vidros, os azulejos, destruir o balcão e todas as coisas que sobre ele se amontoavam como um monstro adquirindo suas verdadeiras proporções. Era fácil fugir do visível, abrir a porta, sair correndo, rolar pela escada, era fácil até encontrar uma maneira de morrer. Mas era difícil, pra não dizer impossível, fugir das limitações do coração, das amarras que ele atava com seus truques indecifráveis, da tortura que as suas ideias causavam, da imaginação que não parava de fervilhar com os diferentes desfechos que poderia ter aquela história. Porém aquela história não teve final algum, pois ao menos teve chance de possuir um início. Nunca houvera nada entre eles dois - e todo o resto que a torturava era mero fruto da imaginação. Sentiu a água misturada às suas lágrimas que brotavam sem dizer porquê, sem justificar pra onde iam. Sentiu o corpo lentamente adormecer. Desejou agora uma garrafa de vodca, logo ela que largara o vício já há algum tempo depois de tanto lutar com as garrafas que sempre se mostravam tentadoras. Desejou alguém que a resgatasse daquela fraqueza, daquele estado miserável em que se encontrava atirada, encharcada, misturada aos azulejos, mesmo sabendo que ela não sairia dali por ninguém a não ser por ele. Ele que jamais viria, que nunca a surpreenderia abrindo a porta - nem correndo por ela, muito menos trazendo flores - pelo simples fato dele nunca ter sabido que ela se encontrava ali. Sentiu saudades de uns raros momentos e, mais uma vez, desejou a vodca. A vodca não veio, nem ele, nem o cigarro. E nenhum dos três jamais viria, de verdade. Descobriu entre as lágrimas que jamais precisaria de nenhum deles na sua mão. Era a memória da vodca, a curiosidade do cigarro e a tortura daquele ele as coisas que a mantinham viva. Fechou o chuveiro. O coração suporta com gosto a dor, mas a casa não tem espaço para ele.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Memórias

Sei escrever melhor quando estou com raiva. Na verdade, só sei escrever quando algo me perturba. Sei escrever quando meu sangue ferve, quando meu coração se espreme e me encolho no cantinho para chorar escondida. Sei expressar minha ira e também sofrer uma dor de cotovelo como ninguém. Sofro até as últimas consequências, gosto do tom dramático da maquiagem borrada que propositadamente uso quando sei que vou me esvair em prantos. Mas ainda não aprendi a dizer o que sinto quando não sinto nada, quando provoco os sentimentos e eles não vem; colocaram uma placa no meu peito dizendo "já volto" e não voltaram nunca mais. 

Sei sofrer, lamentar e me reinventar centenas de vezes no mesmo episódio, tenho diversas câmeras nos pontos estratégicos da minha imaginação e conto e reconto a história cada vez por uma diferente perspectiva, mas não sei contar quando eu não sei mais sentir. Preciso primeiro reencontrar os sentimentos dentro de mim, preciso da ferida aberta, da dor latente, do amor doído, do passado meio amarelado e do cheiro a esquecido no fundo de uma gaveta qualquer para voltar a me angustiar e poder sofrer e me deliciar como uma criança, com a mesma história, pela milésima vez.

Não sei onde foram parar os meus sentimentos, onde se escondeu toda a minha nostalgia e inquietude. Não sei onde minha memória foi deletada, quais os passos desse ritual desconhecido que apagou de mim os cheiros que tatuaram minha pele e o toque das mãos que se esvaíram pelos meus dedos. Só sei que se esvaíram. As angústias, os sabores, as lembranças, as poesias e as cartas que deixei para trás. Foram pegas de surpresa por alguma traça nas gavetas da minha memória que as roeram lentamente e não deixaram sequer um vestígio, uma pista, um sinal. E não tenho mais nada a relembrar, a não ser o cheiro doce do presente.