quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Memórias

Sei escrever melhor quando estou com raiva. Na verdade, só sei escrever quando algo me perturba. Sei escrever quando meu sangue ferve, quando meu coração se espreme e me encolho no cantinho para chorar escondida. Sei expressar minha ira e também sofrer uma dor de cotovelo como ninguém. Sofro até as últimas consequências, gosto do tom dramático da maquiagem borrada que propositadamente uso quando sei que vou me esvair em prantos. Mas ainda não aprendi a dizer o que sinto quando não sinto nada, quando provoco os sentimentos e eles não vem; colocaram uma placa no meu peito dizendo "já volto" e não voltaram nunca mais. 

Sei sofrer, lamentar e me reinventar centenas de vezes no mesmo episódio, tenho diversas câmeras nos pontos estratégicos da minha imaginação e conto e reconto a história cada vez por uma diferente perspectiva, mas não sei contar quando eu não sei mais sentir. Preciso primeiro reencontrar os sentimentos dentro de mim, preciso da ferida aberta, da dor latente, do amor doído, do passado meio amarelado e do cheiro a esquecido no fundo de uma gaveta qualquer para voltar a me angustiar e poder sofrer e me deliciar como uma criança, com a mesma história, pela milésima vez.

Não sei onde foram parar os meus sentimentos, onde se escondeu toda a minha nostalgia e inquietude. Não sei onde minha memória foi deletada, quais os passos desse ritual desconhecido que apagou de mim os cheiros que tatuaram minha pele e o toque das mãos que se esvaíram pelos meus dedos. Só sei que se esvaíram. As angústias, os sabores, as lembranças, as poesias e as cartas que deixei para trás. Foram pegas de surpresa por alguma traça nas gavetas da minha memória que as roeram lentamente e não deixaram sequer um vestígio, uma pista, um sinal. E não tenho mais nada a relembrar, a não ser o cheiro doce do presente.

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