quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Não Estou de Dieta

Num mundo pautado pela beleza, é anormal ouvir "não estou de dieta" de alguma mulher com mais de vinte anos - e muitas vezes, também anormal ouvir de adolescentes de quinze já tão preocupadas com o número do manequim. Num mundo onde vestir 40 é crime capital, me afogo em chocolate, bolo e culpa. Sou mulher e facilmente enganada pela mídia que me diz a todo tempo que doce engorda, refrigerante dá celulite, fritura mata. O que eles escondem é que a preocupação exagerada com o corpo começa cedo e mata muito mais do que fritura, refrigerante e doce.
Me recuso a fazer dieta e explico o porquê. Acho que dieta não mata só calorias, mata a espontaneidade, mata o sorriso, frustra um desejo que aparece no meio da tarde. Dieta, pra mim, é tortura. Mesmo depois de uma gravidez, voltei facilmente ao meu peso, mas meu manequim jamais voltou a ser o mesmo. Resolvi o problema sem dieta, sem correr feito louca, sem comer mais alface do que estou habituada: comprei calças maiores. Claro que tive crises, falei que estou gorda, briguei com meu próprio corpo e, lógico, não adiantou nada. Mas, como posso e devo, sou bem resolvida com meu novo corpo e meu novo peso.
É ilógico desejar que mulheres de trinta tenham os mesmos corpos que aos quatorze anos, é idiota incentivar a corrida contra seus próprios corpos, é absurdo legitimar métodos de tortura pra tentar tornar isso possível.  
Fazer dieta é rejeitar a si mesma, o corpo, as formas, a beleza. Claro que ouço muito me dizerem que "se eu posso melhorar, por que não?" e aí que me pergunto, por que ser magra é melhor que ser gordinha? Nota: ser gordinha hoje em dia é estar com o peso adequado, vestindo o tão temido 40, comendo e vivendo sem culpas, sem grilos, sem ricota (argh!).
Respeito quem faz dieta, mas não me sugiram métodos mirabolantes para enxugar gordura. Não me sugiram fórmulas mágicas para enxugar a mim mesma. Não me peçam para rejeitar as maravilhosas receitas do meu marido, regadas a batatas (carboidratos, meu Deus!) e muito azeite. Não me digam para cortar a comida, pois sem prazer na comida e no amor, não há sentido nenhum em viver.

Brigar com o peso, para mim, é como brigar com as estrias que ficaram da gestação. São marquinhas que o tempo e a experiência de gerar alguém me deixaram. E, mesmo que fossem só de brigadeiro, seriam as marquinhas da felicidade de não me privar das minhas vontades.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A Fonte Secou

É difícil admitir algo tão óbvio e que há tanto tempo já é tão perceptível. A fonte secou.
Não sei em que ponto isso se desenrolou, mas as palavras já não fluem mais, as linhas não se conectam, a pontuação foge e a sensibilidade desapareceu. As mesmas músicas que faziam verter rios de palavras já não surtem mais efeito algum; o céu não me diz mais nada; os dias estão todos iguais.
Há algum tempo, não sei quando, não sei onde, parei de tentar recontar as mesmas velhas e gastas histórias, não encontrei mais aquela velha ânsia de amar e de compreender.
Me sinto ainda mais incompetente ao declarar publicamente: a fonte secou.

Se ao menos eu voltasse a enxergar o mundo como ele sempre me rodeou, se ao menos eu reaprendesse a tatear as palavras, as palavras... Se ao menos eu voltasse a desbravar a imaginação.

domingo, 12 de agosto de 2012

Pai



Meu pai não é herói. Aos meus olhos de criança era um gigante que, ao me tomar nos braços, emprestava a incrível capacidade de voar. Meu pai era um super-herói doméstico, na vista dos meus pequenos olhos de criança. Lavava a roupa, organizava a casa, fazia mágica e a comida aparecia pronta, outra mágica e, com um pequeno aparelho branco, usava seu poder para transformar as rugas das camisetas da escola em seda pura, lisinha, branquinha, brilhante. Meu pai me acordava com o perfume de mingau e com o rádio baixinho para ouvir as notícias. Meu pai era um super-herói sentimental. Chorava por qualquer coisa, a qualquer momento, sem qualquer pudor. Para mim, a frase "homem não chora" certamente não se aplicava aos super-heróis, assim como meu pai. Talvez as lágrimas que caíssem daquele par de olhos azuis também fizessem parte de algum dos seus poderes.

O tempo passou e o meu corpo cresceu em volta dos meus olhos de criança. Minha visão se alterou e, com ela, as coisas ao redor também mudaram. Pensando hoje, talvez seja por isso que precisei de óculos, para aprender a enxergar o mundo sem as mágicas e os poderes do meu pai.

Descobri que meu pai era humano, sempre havia sido humano, para sempre seria humano. Descobri que meu pai possuía defeitos, que os braços dele não seriam capazes de sustentar o meu peso pela vida toda, que os seus olhos azuis choravam por motivos que talvez eu nunca vá entender. Um dia descobri que ele poderia ter outra vida, outro rumo, caminhar outros passos e tive certeza de que meu pai era realmente humano. Conheci suas falhas, seus defeitos e passei a me apegar ainda mais às qualidades, determinada a nunca esquecer do gigante que me fazia voar quando era criança.

Meu pai me deu muito mais do que características genéticas. Meu pai me deu muito amor, muito carinho e muitas decepções. Me ensinou a ser tolerante e a aprender a respeitar, dentro dos nossos limites, as características e as escolhas que cada um faz na sua vida. Me ensinou a ter paciência e a fazer chocolate quente. Me ensinou que os seres humanos são mais heróis do que os que transformam camisetas amassadas em trajes de gala, que é possível conviver com defeitos, respeitá-los e até amá-los. Meu pai me ensinou a tocar a vida sozinha. Me ensinou que eu não posso esperar ter alguém sempre ao meu lado, que muitas vezes a vida exigirá só de mim e não haverá ninguém para quem recorrer. Meu pai me mostrou que a vida é uma só e que não há espaço para arrependimentos e sonhos frustrados. Meu pai me mostrou tudo de si e por isso sou grata. Sei que ele não terá vergonha de pedir desculpas e reconhecer seus erros quando essa hora chegar e sei que algum dia ele ainda recuperará o tempo perdido e descobrirá que eu cresci em volta dos meus olhos. Sei que um dia ele verá na minha filha a oportunidade de fazer tudo de novo para ela e, principalmente, para nós. Sei que reconstruiremos o que ficou perdido.

Tenho certeza de que o tempo é sábio. O mesmo tempo que nos faz perder a visão dos nossos super-heróis e ganhar a visão de pais, companheiros, amigos, humanos e falhos, falhos como nós. O mesmo tempo que me faz feliz por não ter a pressão nem a culpa de pais perfeitos por trás de mim. Meu pai é admirável por muitas coisas, mas a maior delas eu sei contar aqui: ninguém jamais vai conseguir me fazer voar outra vez.

Feliz dia dos pais, meu pai.