quinta-feira, 17 de julho de 2014

Querido Diário

Eu e minha tela branca à frente. Puxa, faz tempo que não falo como dizem os poetas, com o coração. E realmente não é pra ficar bonito. É num mar de soluços que me encontro. Quem dera fosse de rir. Acredite, eu costumava gostar da minha companhia. Eu costumava me deliciar em manhãs com meus cafés múltiplos e cheirosos que se acumulavam em fileiras de xícaras coloridas na minha escrivaninha branca, e o Sol ia beijando devagarinho meus papéis enquanto eu fazia o que tinha que fazer, seja lá o que fosse. Puxa, eu gostava mesmo de mim há uns anos atrás. Como era bom aproveitar uma música e planejar simplesmente o que eu iria fazer no final de semana. Como era boa a vida simples que eu levava. Há dois anos atrás, parece que nada ficou tão simples assim mais.
Dizem que quando a gente se apaixona, a gente esquece da gente. E o tempo não é mais como era antigamente. Ele muda, pra uns passa mais rápido, pra outros simplesmente para. Eu não sei como foi comigo, mas sei que com 1 mês parecia que nos conhecíamos há 10 e com 1 ano depois de tanta confusão, sentia que tinham sido duas vidas terrenas. Esses dois anos já se perderam na minha cabeça, a contagem ficou louca e minhas memórias meio que se atravessam umas pelas outras, dançando tristemente pelo passado. Ora essa... Tanta coisa boa vivida pra se sentir grata, e, sim, em momentos de paz eu me sinto grata. Mas, bem, como eu controlo o tempo do restante da minha vida? Como pensar nos próximos 10, 100, 1000 meses que eu (espero) viver. Como pode ser tão doída a imagem de mim mesma sem ti? Será que isso é amor? Será que se sofre por amor? Me disseram que o amor era uma coisa boa... E agora?

É engraçado e estúpido se apaixonar. É engraçado porque lembro das minhas escolhas nada racionais e fico pensando no porquê de tudo isso. Por que sentia a tamanha necessidade, parecida com a que sinto agora, de ir atrás daquele objeto tão desejado? Por que nunca aceitei o que era tão óbvio? Que não poderia dar certo. E isso sempre foi um fato, não adianta. E eu sabia, no fundo, eu sabia. E por que insistia tanto? Eu simplesmente achava que tudo era possível, que era passível de mudança e ressignificados. Eu acreditava como uma criança que crê em Papai Noel. Com todo o meu amor, minha força e meu otimismo, nunca me faltou coragem para arriscar. Eu queria me jogar. Queria morrer de amor. Queria. E agora, as minhas cinzas me entristecem. Não há glória em finais tristes. Ninguém me parabenizou ou bateu palmas. Não ganhei troféu ou medalha. E nem uma carta, sequer. Na minha porta não bate ninguém e minha companhia parece estar vivendo em um mundo sombrio. Falam-me de liberdade e ela tem uma cara bem desafiadora para mim. Eu não tenho nada a perder e isso nunca soou tão estranho... 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Interminável Escuridão

Passei a noite em claro, encarando a lua cheia que banhava a janela, para organizar tudo que preciso te dizer, de uma forma mais ou menos coerente. Contar como as noites se tornam especialmente silenciosas quando não contam com a melodia tranquila da tua respiração ao dormir, enquanto contabilizo estrelas cadentes. Contar como me envolvo em histórias de todos os tempos e todos os personagens, mesmo sem querer, para te perceber em cada romance frustrado e te descobrir me esperando na minha próxima contradição. Contar que toda profundidade de olhares, memórias, aromas e gestos torna-se superficial quando projetadas à nossa tão entranhada relação.
Joguei pequenos punhados de areia pela janela do sétimo andar, uma para cada pendência a resolver. Poderia ter soterrado o mundo nessa noite. Joguei um punhado para cada amor passado, para cada caminho que percorri e para cada atalho que me fez chegar até teus olhos, tão distintos de todos os olhos que já haviam percorrido minhas marcas e o meu corpo. Teus olhos que não se esquivam de me encarar e não deixam um momento de me dominar. Para minhas turbulências individuais, mais um punhado de areia, que se esvaiu lentamente entre os dedos. Sei da minha constante retomada do passado, sei das tuas objeções e sei das nossas diferentes percepções. Sei ainda que poderia escrever hoje de forma menos superficial do que faço.
Prometi que não me estenderia ao amanhecer. Olhei para baixo, toda a terra quase imperceptível pela altura. Eu não tinha medo da distância que me separava do solo. Findo o arremesso, pois não sobrara grão de areia, restava arremessar as flores, os frutos, as folhas repletas de distintos aromas. Cogitei juntar meu corpo aos punhados atirados ao vento. Me lancei sobre o parapeito, mas impediu minha visão o primeiro raio de sol. Na cama teu corpo, teus olhos que cerrados não expressavam todo o impacto que tinham sobre mim, tuas mãos conhecedoras de cada vinco do meu ser. Dormir, ao teu lado, mais uma noite. Sem os demônios que atormentam, sem os dilemas que angustiam, todos desprezados feito porções de terra ao vento do sétimo andar. Ao menos até o sol se por outra vez...

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Cozinhar como Oração

Levo o coração na ponta dos dedos, no brilho dos olhos, nas papilas da língua. Levo o amor em toda minha tentativa culinária, em qualquer utensílio que vou estrear, em toda xícara de açúcar despejada sobre a manteiga batida. Meu coração está esfriando, em cima do forno, esperando para ser desenformado. Ele hoje foi tingido com beterrabas, daqui a pouco será temperado com curry; vai receber recheio de creme azedo e ser enfeitado com morangos frescos. Meu coração é do tamanho de todas as provas da comida que faço. Cozinhar é minha oração diária, a prece que secretamente diz eu te amo e faz desse amor mistura com um fouet brilhante. Te provando, te reinventando e te alimentando com meu amor, meu coração cresce. Cresce como o fermento caseiro que deu tão certo no bolo de hoje. Cresce com uma vontade infindável de declarar meu amor.