sexta-feira, 29 de abril de 2011

Quem vai dizer tchau



Enxerguei meu reflexo no espelho e não consegui te ver. Por trás daquela música que tocava, despertou em mim a vontade de te procurar aqui dentro. Não te encontrei, nem de longe pude te ver. Enquanto a música tocava, me encarei longamente no espelho e não consegui ver o rastro do teu verde dentro dos meus olhos, nem o traço dos teus toques no meu corpo, nem um resto de amor dentro de mim. A única marca que encontrei foi o não que dissemos já se vai algum bom tempo, um rasgo tatuado na memória, mas que não faz ferida aberta há muito. Tentei reviver a ferida mas a dor não dói mais, como na verdade creio que nunca tenha doído. Uma vontade de me sentir como me sentia, saudades de mim como costumo sentir e não, feliz ou infelizmente, saudades tuas. Saudade nenhuma.
Encarei as caixas, encarei a casa, a sacada, a porta que se abriu sozinha e que me fez pensar que as lembranças que ainda existem voltam por conta própria, como uma porta que se abre contra o nosso desejo, e que não tenho o poder de tomá-las como algumas vezes pretendo. Encarei os pacotes, toquei as portas e então percebi que não te pus em caixa alguma. Não te guardei para recordar quando quisesse. Não sei quando, não sei como nem onde, mas todos os sentimentos se perderam como a caixa extraviada na mudança. Não tenho tuas cartas nem tuas fotos nem teus presentes para me perder em alguma tarde vazia de outono, acompanhada de um chocolate ou para te mostrar para a minha filha. Não tenho lembranças, apesar de recordar sempre do verde corroído dos teus olhos - a marca inconfundível das declarações que foram tuas, a forma velada de dedicar a ti tudo o que um dia escrevi. Não tenho saudades, não tenho amor, não tenho espaço nem vontade para ti, como não tive suficientes na época em que escolhi sem ti o meu caminho. Tenho carinho na memória, um cheiro que invade sensivelmente a casa em noites esparsas e que faz lembrar somente de mim, que me devolve à minha leveza e aos meus sonhos. Tenho todas as lembranças somente numa caixa na memória, que vem se corroendo aos poucos, por mais que eu cisme em protegê-la do pó e dos espaços das novas memórias que tentam se apoderar dela.
Olhei o céu, as fotos nos meus porta-retratos, a cama bagunçada e percebi em todos os espaços a presença de uma certeza incompatível com as tuas lembranças.
Rasguei a única foto. Algumas memórias só precisam de espaço no coração.


E a música é essa mesma. Quando aconteceu, não sei...

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Resto da Vida

Não quero nunca te ouvir dizer que pretende ficar comigo pelo resto da vida. Não quero nunca te dizer que passo contigo o resto dos meus dias. Não quero ser resto, não me encaro como fim, não nos vejo como conclusão e sim como uma folha nova e em branco. Quero passar contigo todos os meus dias, sejam eles quantos forem, sejam eles como forem e como vierem. Quero encarar contigo todos os meus problemas, dividir todas as minhas mágoas e somar todas as minhas alegrias, por mais que seja impossível prever quantas e quais serão elas. Quero todos os teus suspiros - e não o resto deles. Quero todo o brilho dos teus olhos, todos os sons da tua boca, todos os beijos do teu coração, todos os toques dos teus dedos, todos os desejos da tua alma. Porém jamais pretendo ser resto, ser resto da vida, ser até que a morte nos separe. Que a vida nos separe, seja durante seu curso ou como o último capítulo de um livro que nunca pretendeu ter fim, que nunca estimou ter sobras. Quero todos os teus sóis, tuas nuvens e tuas luas, quero todos os teus sonhos, todos os anseios, pesadelos e euforias; só não me venha com resto.
Fico contigo até que a vida nos separe, até que ela abandone um de nós dois com um último sopro. E, só depois que a vida nos separar, viverei o resto da vida. Aí resto, somente na expectativa da vida me abandonar para que eu possa te encontrar. Por todos os tempos - e jamais pelo resto deles.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A Vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés de alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!
Todos somos no mundo" Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo de onde vem!
A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...
Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem de um dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a vida!



(Florbela Espanca)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Mudanças

Mudar. Mudar nunca me pareceu a coisa certa. Comecei tentando mudar a negação que sempre inicia meus textos, apenas consegui transferi-la para a segunda frase desse. Encarava a estrada como um caminho de passagem e não um lugar para se viver, talvez por isso não gostava muito de viajar. Sair do lugar me fazia repensar e por muito tempo acreditei que repensar, reviver, recriar não fosse preciso. Me enganei.
Ontem encarei a estrada como uma parte do final de semana, um grand finale para um belo domingo. Diferente eu a olhei, diferente ela me inspírou. É necessário mudar, sair do lugar, rever as posições, abandonar o conforto, se perder nas ruas de um lugar desconhecido; fazer malas, desembalar caixas, jogar fora anos de lembranças e de roupas velhas acumuladas no armário, reorganizar a vida, pintar as paredes, arrumar a casa. É preciso chegar sem saber nada, é preciso aprender cada nome, revirar ruas e descobrir em um canto escondido um bom lugar para jantar, é preciso conhecer um novo lugar, adquirir novos referenciais, novas praças onde sentar para observar o céu. Quando o exterior muda, o interior se vê obrigado a mudar junto com ele, a abandonar a poltrona do conformismo, encarar nova paisagem, desvendar novos programas, sentimentos, cheiros, cores e sensações. O frio gelado e seco entra pela sacada e dá a sensação das bochechas rachadas, já é um começo para um novo.
Precisamos recomeçar por algum lugar. Precisamos de um onde para nos refazer, recriar, destruir tudo e modificar o que for preciso. Uma nova paisagem nada mais é do que um ótimo pretexto para mudar o que nos desagrada - não no céu, não nas praças - em nós mesmos. É um horizonte para nos reinventar, um infinito de possibilidades.

Ainda bem que fiz as malas.

domingo, 24 de abril de 2011

All I've Got To Do



You just gotta call on me!

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Recomeçar

A vida é feita de fases. De ciclos. Acabo de recomeçar do zero. Do zero, não. Minto.

Confesso que não sei muitas coisas da vida. Sempre me considerei além da minha idade, mas agora, com vinte anos, talvez eu seja só mais uma cabecinha ambulante que o vento bagunça os cabelos. Talvez eu não seja tão madura mesmo. E fiquei me perguntando, se eu não tivesse passado por todas as dificuldades e desilusões será que eu seria ainda menos? Provavelmente. Isso me dá a certeza de que ainda vou quebrar muito a cara, de que vou me iludir, ficar com o pé atrás e me desiludir muitas vezes ainda. Porque sinto que a vida ainda tem muito a me ensinar. Da maneira difícil, aquela doída mesmo, que parece que vamos ficar sem ar. Porém, talvez seja a maneira mais eficaz no final das contas de aprender a lição. E a lição que eu aprendi nessas últimas semanas é que gostar da gente é muito melhor que gostar de qualquer outra pessoa. Valorizar-me foi o meu melhor remédio. E isso deu resultado. As pessoas perceberam - mesmo aquelas que eu não conhecia ou não notava. Fazia séculos que eu não me sentia apreciada e cultivada. E eu vi que minha companhia e só ela é uma das melhores coisas da vida. Desfrutar dos pequenos prazeres quando se está em paz consigo é maravilhoso. E ter consciência que nada está acabado. Está apenas começando.

p.s. Voltei para o blog. Sim. Por quê? Cansei de anular meus sentimentos e pensamentos. Preciso falar, gritar, desabafar. Mesmo que ninguém leia. Mesmo que ninguém ouça. É melhor do que o meu silêncio. Esse luto sufocou minhas idéias e minhas emoções.

domingo, 17 de abril de 2011

A capa verde

A coletânea de Vinícius da capa verde se mostrou bem ao meu lado enquanto passo os olhos sobre as nossas pilhas quase imensas de livros esparramados pelo chão da casa, enquanto as estantes não chegam. Eles estão desordenadamente dispostos, indispostos, dividindo espaço com as minhas almofadas, meu computador e minha desorganização particular. No meio de tantas pilhas, de tantas aleatoriedades, encontro alguma razão na ordem da disposição: há sempre uma poesia, uma história, um clássico em quase cada uma das pilhas, como um convite silencioso a saborear cada um desses, intencionalmente organizados por ti para me enganar e me fazer crer que nada tens a ver com os meus favoritos estarem sempre no topo dos escombros literários da nossa sala de jantar. 
Vinícius veio parar no meu colo e imediatamente me fez pensar em te escrever, relembrando os dias que andavas pela faculdade com ele embaixo do braço, sem que ninguém pudesse encostar. Até que roubei ele de ti, abri em uma página qualquer e te li uma poesia, naquela sala do canto em que costumávamos jogar horas pela janela conversando trivialidades e nos perdendo em nós mesmos, mesmo que nunca tenha havido um toque, nem um abraço, nem um encontro de mãos por mais sutil que fosse. Tocar aquela capa verde, naquela manhã nublada, foi como poder tocar o teu rosto sempre intocável pelas nossas manias de distância e de preservação que nos aproximaram muito mais do que jamais poderíamos imaginar, foi como percorrer com os meus dedos o desenho da tua barba, como afastar todas as cadeiras e a comprida mesa da sala para te tirar para uma dança.
Vou confessar que, vez ou outra, abro o Vinícius na minha frente para tocar as laterais já envelhecidas e percorrer as páginas amareladas como quem acaricia teu corpo. Abro naquelas páginas marcadas, orelhas dobradas e encontro a poesia que te recitei naquela vez. Ela está duplamente marcada, a orelha dobrada e um papel rabiscado no meio da folha. Lembro dela, "Poema dos olhos da amada". Lembro que comentasse meus olhos verdes, que achei graça e mudei de assunto. Lembro de ficar ligeiramente envergonhada e de quase não conseguir conter um riso largo. Vou confessar que releio esse poema algumas vezes por semana e sempre te encontro lá, dizendo que eu te olho sempre pela linha superior dos meus óculos. Vou confesar que me encontrei em Vinícius e que, já naquele dia, me perdi em ti. E se isso for se perder, não quero me encontrar nunca mais.

sábado, 16 de abril de 2011

A Pedra

Pedra sendo
Eu tenho gosto de jazer no chão
Só privo com lagarto e borboletas.
Certas conchas se abrigam em mim.
De meus interstícios crescem musgos.
Passarinhos me usam para afiar seus bicos.
Às vezes uma garça me ocupa de dia.
Fico louvoso.
Há outros privilégios de ser pedra:
a - Eu irrito o silêncio dos insetos.
b - Sou batido de luar nas solitudes.
c - Tomo banho de orvalho de manhã.
d - E o sol me cumprimenta por primeiro.

(Manoel de Barros)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Felicidade

“Era uma vez uma senhora que desde menina tinha uma vontade enorme de possuir um desses copos antigos, todos trabalhados a ouro e salpicados de florinhas multicolores que trazem desenhada em letras finas a palavra Felicidade.
Um dia ela descobre na Casa Rola, um local em desordem, o tão desejado copo, entretanto não pode levá-lo porque o proprietário da loja queria muito pela raridade. Decepcionada volta para casa e pára de pensar no copo, até que um dia um incêndio destrói a Casa Rola. Ela, então, passando pelo local descobre que uma loja vendia os restos do incêndio e lá encontrou o copo, por uma ninharia o comprou. Em casa, constatou que havia uma rachadura no copo bem sobre a palavra felicidade. “A senhora guardou o copo assim mesmo, conserva-o com carinho e teme que possa quebrar-se de vez. Mas sempre que perto dela se fala em felicidade, se existe ou não, se é questão de sorte ou luta, recompensa ou acaso, se dura ou é efêmera, e se qualquer um pode obtê-la, a senhora de minha história não diz nada, e suspira pensando no copo.”

Maluh de Ouro Preto, descoberta ao acaso na noite de ontem, pelo aniversário da doação do seu acervo.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Vem!

Sou possessiva, sou mandona, ciumenta e chata, muito chata. Mas sabes muito bem que eu sei ser doce. Que eu sei olhar com olhos de bem-querer. Sabes, acima de tudo, o quanto sempre te quis. Sabes manobrar - que palavra terrível - meu corpo e meu coração como ninguém mais sabe. Sabes me fazer parar de reclamar compulsivamente, seja por rabugice ou por hábito mesmo. Sabes rir e contemplar os meus defeitos, elogiar minha comida, cozinhar para mim. Sabes que desejo e preciso ser mimada e executas teus planos de surpresas e mimos com maestria e precisão. Sabes que gosto das flores pequenas e que não gosto de cor-de-rosa. Sabes apreciar a rotina e admirar a paisagem. Sabes me fascinar e me reconstruir todos os dias. Vem, que sabes respeitar meu temperamento explosivo e minha contrariedade. Algumas horas longe são o suficiente para que eu precise mais uma vez do teu cheiro, da tua boca, os pelos arrepiados na nuca, as unhas que lentamente me arranham as costas num carinho que doma minha ira, os dentes que mordem meus dedinhos do pé enquanto durmo e os dedos que me acordam percorrendo meu rosto num leve carinho que me tira do sono de um jeito leve e irresistível. Foi o teu despertar que me fez escrever hoje, o teu acordar que me acordou não para um dia mas, mais uma vez, para o fascínio que essa rotina me causa todos os dias. Tua leveza me faz pedir "Vem!", meu amor me faz pedir "Fica!" e essa felicidade toda me faz te dizer "Não te deixo jamais!".
Me tens inteira, sem medos, sem receios, sem dúvidas, sem passado.
Te fizesse presente e futuro. Te fazes minha vida a cada dia que passa.

P.S.- Vem logo, hoje é teu dia de cozinhar!

terça-feira, 12 de abril de 2011

a porta aberta

Deixei a porta aberta. A música está tocando, o sofá está no mesmo lugar com a mesma colcha, eu ainda uso o mesmo perfume e podes me reconhecer facilmente pelo olfato de um pouco de sede, aquele mesmo aroma que sempre guardo na boca quando vou dormir, daquele copo que nunca abandona a minha cabeceira. Deixei a porta aberta. Não demore, eu disse para levar um guarda-chuva, o tempo está se armando e as nuvens pretas vão em breve se expressar em pingos. Às seis eu tomo o meu café, por favor esteja de volta até lá para temperar as minhas torradas que não sei mais temperar sozinha. O sol sufocando por entre as nuvens reflete na janela e bate bem aqui na minha janela, não se preocupe ao encontrar as cortinas fechadas ao chegar, é só para evitar o sol que insiste em se infiltrar pela sala mais do que já faz habitualmente, pela manhã, na janela do quarto que sabes que é minha mania secreta de dormir observando as estrelas. Ainda são cinco e quinze, o tempo se arrasta nessas tardes cansativas, meu livro está aberto naquela mesma página que venho me enrolando para ler, espero que ao chegar tenhas o cuidado de marcar a página antes de tirá-lo do meu colo, não leria todo o capítulo de novo. Deixei a porta aberta. E não acredito que mais alguém entenda o que isso quer dizer.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Manhã Branca

Hoje acordei com frio. Acordei e fui refazer teus passos na procura de algum vestígio de calor ou de amor que ainda tenha ficado caído pelo corredor. Desenhei teu caminho, percorri tua trilha buscando algum carinho esquecido atrás da porta que fosse capaz de me aquecer nessa manhã branca, sem sol, sem nuvens, sem graça. Acordei junto comigo as tuas roupas, os teus traços, teu travesseiro e os teus cheiros esparramados, carinhosamente juntei teus pedaços esparsos e em momento algum me senti menor por buscar nos teus resquícios algo suficientemente caloroso para me fazer suportar essa manhã quase insuportável. Não me senti menor pois não catei teu amor como sobras, não te peço o amor, não te imploro, como nunca ousaria te pedir ou implorar ou exigir algum amor - inexigível por natureza; esse amor é dado de graça todos os dias através das tuas pequenas demonstrações cotidianas, as marcas de um corpo que faz questão de me mostrar que esteve ali, que faz seu rastro para que eu o percorra e o desfaça quantas vezes forem necessárias para que seja notado. 
Teu amor se mostra no cheiro do café que me espera na borda da cama todos os dias, as mãos cuidadosamente aquecidas antes de se aproximarem do meu corpo sempre frio ao acordar, na escolha das minhas unhas e das frutas da tarde, na casa preparada para me ver despertar no domingo, sempre tarde, sempre cansada. Se mostra quando se esconde, faz questão de se mostrar quando nem te vejo sair.
Não me sinto menor por procurar os teus sinais quanto tu sai pela porta; ao contrário, levanto correndo para que as xícaras não esfriem, os dedos ainda estejam marcados na superfície gelada do banheiro, a cama quente, o travesseiro largado, a chave balançando na fechadura, a toalha sempre pendurada em alguma das portas. Teus sinais são preparados cuidadosamente por ti e seria menor, aí sim, ao desprezar a forma mais bonita que um amor pode tomar: o apreço pelo cotidiano. É a rotina que engrandece o nosso amor.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Tatuagem

Alguém consegue nos marcar para sempre. Alguém consegue dizer as palavras certas, fazer o gesto correto, segurar a nossa mão com a força e a leveza ideais no momento exato, sussurrar no tom de uma melodia, dedicar a música inesquecível, beijar com o sabor doce e azedo na medida certa. Sempre há alguém que nos marca como tatuagem, que faz do nosso coração latifúndio, que dispara a ansiedade e afeta a respiração. Por sinal, esses dias ela me ligou para saber qual era a música deles dois e, nesse momento, só pude dizer a ela que acabara de me comprovar que jamais havia lhe amado. Esquecemos as datas, as feições e os traços do rosto, mas de quem nos marca jamais esquecemos o cheiro, a respiração e a trilha sonora. Ela não entendeu nada e me demorei no telefone para explicar melhor, para dizer que o perfume funciona como um gatilho das memórias adormecidas, das sensações quase esquecidas. O cheiro nos faz sentir aquele ar quente da respiração do outro na parte superior dos nossos lábios, faz a mão suar com a memória da pressão exata daqueles dedos entrelaçados aos nossos, faz o coração entrar em descompasso. A música nos joga de volta às nossas memórias, nos deixa nus diante dos sentimentos que pensávamos ter esquecido já há muito tempo. A música nos arremessa para o passado, joga com o peito e com a alma de modo quase desleal, não nos permite escolher se desejamos ou não reviver o cheiro da tarde de outono, as flores de primavera e os perfumes das frutas do verão.
Disse a ela que não diria qual era a música. Ainda sem entender, contestou. Se não foi capaz de marcá-la, não sou eu quem vou dar a ele a segunda chance. Nananinanão.

terça-feira, 5 de abril de 2011

para as paredes 008

Minha tia uma vez disse que eu escrevia para o meu primeiro namorado. Ela sabe, mas talvez comigo não tenha percebido, que nós escrevemos para aqueles com quem nunca tivemos nada. Não que nada seja a palavra certa, muito pelo contrário, talvez nada nunca represente - nem passe perto de representar - a proporção das coisas com quem não tivemos "nada", porém é errado acreditar que dediquei muitas das minhas nostalgias àquelas pessoas com quem me relacionei. Escrevi sobre aquilo que vi mas, muito mais que isso, sobre tudo aquilo que sonhei.
Minha tia talvez achasse que eu sentia dor daquilo que vivi; mal sabia ela que o que me doía era exatamente tudo aquilo que deixei de viver, cada palavra não dita, gesto não saboreado, sentimento sonegado. Minha tia entende muito bem que a saudade do que vivemos não machuca tanto quanto o ressentimento daquilo que não nos permitimos viver. Ela sabe, sabe muito bem, sabe assim como eu que o Roberto Carlos que nos toca não é aquele dedicado a nós, mas aquela canção que ficou no lado B dos nossos corações, esperando que o disco fosse virado e ele nunca foi. Ela sabe que o que foi vivido não provoca um vazio tão intenso como aquele espaço que fica quando deixamos de viver.
O que sinto é saudades. Mas não, tia, não é saudades de nada que eu já tenha vivido. É uma saudade vazia, é do que eu encontrava em mim, das histórias que fantasiava, dos sonhos que pensava e os planos que concebia. É uma saudade sem objeto, uma saudade que sempre existiu e sempre existirá, necessária para que o meu coração permaneça batendo. Preciso daquele espaço vazio, daquele espaço saudoso, todos nós precisamos de um pouco de amor reservado a ninguém.
Roberto já dizia que "das lembranças que eu trago na vida, você é a saudade que eu gosto de ter". E a minha saudade é assim: sem cara, sem nome, sem rumo. É a saudade de tudo que eu jamais vou viver.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Up Where We Belong


Lembro sempre da minha mãe com essa música, aqueles olhos que não se contiam.


"Time goes by
No time to cry
Life's you and I
Alive today..."

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Trocando em Miúdos



"Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu

Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde."

(Chico Buarque)