domingo, 17 de abril de 2011

A capa verde

A coletânea de Vinícius da capa verde se mostrou bem ao meu lado enquanto passo os olhos sobre as nossas pilhas quase imensas de livros esparramados pelo chão da casa, enquanto as estantes não chegam. Eles estão desordenadamente dispostos, indispostos, dividindo espaço com as minhas almofadas, meu computador e minha desorganização particular. No meio de tantas pilhas, de tantas aleatoriedades, encontro alguma razão na ordem da disposição: há sempre uma poesia, uma história, um clássico em quase cada uma das pilhas, como um convite silencioso a saborear cada um desses, intencionalmente organizados por ti para me enganar e me fazer crer que nada tens a ver com os meus favoritos estarem sempre no topo dos escombros literários da nossa sala de jantar. 
Vinícius veio parar no meu colo e imediatamente me fez pensar em te escrever, relembrando os dias que andavas pela faculdade com ele embaixo do braço, sem que ninguém pudesse encostar. Até que roubei ele de ti, abri em uma página qualquer e te li uma poesia, naquela sala do canto em que costumávamos jogar horas pela janela conversando trivialidades e nos perdendo em nós mesmos, mesmo que nunca tenha havido um toque, nem um abraço, nem um encontro de mãos por mais sutil que fosse. Tocar aquela capa verde, naquela manhã nublada, foi como poder tocar o teu rosto sempre intocável pelas nossas manias de distância e de preservação que nos aproximaram muito mais do que jamais poderíamos imaginar, foi como percorrer com os meus dedos o desenho da tua barba, como afastar todas as cadeiras e a comprida mesa da sala para te tirar para uma dança.
Vou confessar que, vez ou outra, abro o Vinícius na minha frente para tocar as laterais já envelhecidas e percorrer as páginas amareladas como quem acaricia teu corpo. Abro naquelas páginas marcadas, orelhas dobradas e encontro a poesia que te recitei naquela vez. Ela está duplamente marcada, a orelha dobrada e um papel rabiscado no meio da folha. Lembro dela, "Poema dos olhos da amada". Lembro que comentasse meus olhos verdes, que achei graça e mudei de assunto. Lembro de ficar ligeiramente envergonhada e de quase não conseguir conter um riso largo. Vou confessar que releio esse poema algumas vezes por semana e sempre te encontro lá, dizendo que eu te olho sempre pela linha superior dos meus óculos. Vou confesar que me encontrei em Vinícius e que, já naquele dia, me perdi em ti. E se isso for se perder, não quero me encontrar nunca mais.

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