sexta-feira, 8 de abril de 2011

Tatuagem

Alguém consegue nos marcar para sempre. Alguém consegue dizer as palavras certas, fazer o gesto correto, segurar a nossa mão com a força e a leveza ideais no momento exato, sussurrar no tom de uma melodia, dedicar a música inesquecível, beijar com o sabor doce e azedo na medida certa. Sempre há alguém que nos marca como tatuagem, que faz do nosso coração latifúndio, que dispara a ansiedade e afeta a respiração. Por sinal, esses dias ela me ligou para saber qual era a música deles dois e, nesse momento, só pude dizer a ela que acabara de me comprovar que jamais havia lhe amado. Esquecemos as datas, as feições e os traços do rosto, mas de quem nos marca jamais esquecemos o cheiro, a respiração e a trilha sonora. Ela não entendeu nada e me demorei no telefone para explicar melhor, para dizer que o perfume funciona como um gatilho das memórias adormecidas, das sensações quase esquecidas. O cheiro nos faz sentir aquele ar quente da respiração do outro na parte superior dos nossos lábios, faz a mão suar com a memória da pressão exata daqueles dedos entrelaçados aos nossos, faz o coração entrar em descompasso. A música nos joga de volta às nossas memórias, nos deixa nus diante dos sentimentos que pensávamos ter esquecido já há muito tempo. A música nos arremessa para o passado, joga com o peito e com a alma de modo quase desleal, não nos permite escolher se desejamos ou não reviver o cheiro da tarde de outono, as flores de primavera e os perfumes das frutas do verão.
Disse a ela que não diria qual era a música. Ainda sem entender, contestou. Se não foi capaz de marcá-la, não sou eu quem vou dar a ele a segunda chance. Nananinanão.

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