domingo, 12 de agosto de 2012

Pai



Meu pai não é herói. Aos meus olhos de criança era um gigante que, ao me tomar nos braços, emprestava a incrível capacidade de voar. Meu pai era um super-herói doméstico, na vista dos meus pequenos olhos de criança. Lavava a roupa, organizava a casa, fazia mágica e a comida aparecia pronta, outra mágica e, com um pequeno aparelho branco, usava seu poder para transformar as rugas das camisetas da escola em seda pura, lisinha, branquinha, brilhante. Meu pai me acordava com o perfume de mingau e com o rádio baixinho para ouvir as notícias. Meu pai era um super-herói sentimental. Chorava por qualquer coisa, a qualquer momento, sem qualquer pudor. Para mim, a frase "homem não chora" certamente não se aplicava aos super-heróis, assim como meu pai. Talvez as lágrimas que caíssem daquele par de olhos azuis também fizessem parte de algum dos seus poderes.

O tempo passou e o meu corpo cresceu em volta dos meus olhos de criança. Minha visão se alterou e, com ela, as coisas ao redor também mudaram. Pensando hoje, talvez seja por isso que precisei de óculos, para aprender a enxergar o mundo sem as mágicas e os poderes do meu pai.

Descobri que meu pai era humano, sempre havia sido humano, para sempre seria humano. Descobri que meu pai possuía defeitos, que os braços dele não seriam capazes de sustentar o meu peso pela vida toda, que os seus olhos azuis choravam por motivos que talvez eu nunca vá entender. Um dia descobri que ele poderia ter outra vida, outro rumo, caminhar outros passos e tive certeza de que meu pai era realmente humano. Conheci suas falhas, seus defeitos e passei a me apegar ainda mais às qualidades, determinada a nunca esquecer do gigante que me fazia voar quando era criança.

Meu pai me deu muito mais do que características genéticas. Meu pai me deu muito amor, muito carinho e muitas decepções. Me ensinou a ser tolerante e a aprender a respeitar, dentro dos nossos limites, as características e as escolhas que cada um faz na sua vida. Me ensinou a ter paciência e a fazer chocolate quente. Me ensinou que os seres humanos são mais heróis do que os que transformam camisetas amassadas em trajes de gala, que é possível conviver com defeitos, respeitá-los e até amá-los. Meu pai me ensinou a tocar a vida sozinha. Me ensinou que eu não posso esperar ter alguém sempre ao meu lado, que muitas vezes a vida exigirá só de mim e não haverá ninguém para quem recorrer. Meu pai me mostrou que a vida é uma só e que não há espaço para arrependimentos e sonhos frustrados. Meu pai me mostrou tudo de si e por isso sou grata. Sei que ele não terá vergonha de pedir desculpas e reconhecer seus erros quando essa hora chegar e sei que algum dia ele ainda recuperará o tempo perdido e descobrirá que eu cresci em volta dos meus olhos. Sei que um dia ele verá na minha filha a oportunidade de fazer tudo de novo para ela e, principalmente, para nós. Sei que reconstruiremos o que ficou perdido.

Tenho certeza de que o tempo é sábio. O mesmo tempo que nos faz perder a visão dos nossos super-heróis e ganhar a visão de pais, companheiros, amigos, humanos e falhos, falhos como nós. O mesmo tempo que me faz feliz por não ter a pressão nem a culpa de pais perfeitos por trás de mim. Meu pai é admirável por muitas coisas, mas a maior delas eu sei contar aqui: ninguém jamais vai conseguir me fazer voar outra vez.

Feliz dia dos pais, meu pai.

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