quinta-feira, 26 de julho de 2012

Retomada

Não sabia onde estava com a cabeça. Pensou que o mundo andasse numa linha reta, que simplesmente jogaria algumas dúvidas inquietas para trás e elas nunca voltariam, batendo na sua cara com a força do vento de quem deu a volta ao mundo com o impulso de um desleixo. Pois o mundo é bem redondo e as nossas inquietações sempre voltam. Os fantasmas sempre descobrem um novo lugar para se esconder, ou melhor, para serem achados. Precisamos do dedo maldoso das dúvidas que nos tiram da calmaria, que nos cutucam em sonhos (nem tão) inocentes, que retorcem no nosso nariz as mais cruéis suposições sobre um outro passado - e um outro futuro.

Não imaginava que, num belo dia de sol, o passado beijaria o seu rosto com aquele ar irônico de quem teve todo o tempo do mundo para se mostrar na melhor oportunidade. Perguntas ficaram pairando pelo ar, de qualquer jeito precisaria tirar tudo a limpo. De qualquer forma, recontar as mesmas histórias pela milésima vez, juntar os fragmentos que a construíram. E isso é o que ela estava disposta a fazer.

Um dia, ele bateu a porta na sua cara sem dizer porquê. E assim, sem saber, convocou todos os adormecidos demônios a invadirem sua casa, sua vida, revirar seus armários e atirar suas roupas pelo chão. Sem que ele quisesse, convidou-a para perambular eternamente em sua sala, dançar através dos móveis. Ele sente o seu perfume de flores pela casa e não lembra de quem é, mas sabe que esse mesmo aroma o impede de modificar a disposição do divã. Mas ele vai lembrar.

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