sábado, 12 de novembro de 2011

Noite Qualquer

Escorreu o corpo pela parede como se fosse um fardo já muito pesado para carregar. Abriu a janela, sentiu pela primeira vez a necessidade de um cigarro entre seus dedos, aceso escondido no pequeno espaço entre a cortina e a parede. Esticou o braço e abriu o chuveiro, agora a água caía firmemente encharcando o vestido comprido. Se imaginou no meio de uma grande tempestade quente de verão, era assim que se sentia, pega de surpresa, desprotegida, prensada por uma limitação muito mais que física. Era fácil arrancar as cortinas, quebrar os vidros, os azulejos, destruir o balcão e todas as coisas que sobre ele se amontoavam como um monstro adquirindo suas verdadeiras proporções. Era fácil fugir do visível, abrir a porta, sair correndo, rolar pela escada, era fácil até encontrar uma maneira de morrer. Mas era difícil, pra não dizer impossível, fugir das limitações do coração, das amarras que ele atava com seus truques indecifráveis, da tortura que as suas ideias causavam, da imaginação que não parava de fervilhar com os diferentes desfechos que poderia ter aquela história. Porém aquela história não teve final algum, pois ao menos teve chance de possuir um início. Nunca houvera nada entre eles dois - e todo o resto que a torturava era mero fruto da imaginação. Sentiu a água misturada às suas lágrimas que brotavam sem dizer porquê, sem justificar pra onde iam. Sentiu o corpo lentamente adormecer. Desejou agora uma garrafa de vodca, logo ela que largara o vício já há algum tempo depois de tanto lutar com as garrafas que sempre se mostravam tentadoras. Desejou alguém que a resgatasse daquela fraqueza, daquele estado miserável em que se encontrava atirada, encharcada, misturada aos azulejos, mesmo sabendo que ela não sairia dali por ninguém a não ser por ele. Ele que jamais viria, que nunca a surpreenderia abrindo a porta - nem correndo por ela, muito menos trazendo flores - pelo simples fato dele nunca ter sabido que ela se encontrava ali. Sentiu saudades de uns raros momentos e, mais uma vez, desejou a vodca. A vodca não veio, nem ele, nem o cigarro. E nenhum dos três jamais viria, de verdade. Descobriu entre as lágrimas que jamais precisaria de nenhum deles na sua mão. Era a memória da vodca, a curiosidade do cigarro e a tortura daquele ele as coisas que a mantinham viva. Fechou o chuveiro. O coração suporta com gosto a dor, mas a casa não tem espaço para ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário