sábado, 6 de agosto de 2011

Abstinência

Somos todos dependentes, viciados, cheios de manias. Dependentes em diversos graus, mas sempre dependentes de algo (ou alguém). Viciados em drogas, em álcool, em sono, em comida, em sentimentos, em sensações. Com tiques, manias ou hábitos, e que aí cada um se sinta à vontade para dar o nome que lhe couber. Sou viciada, dependente, maniática por sensações. Por reviver os fantasmas. Uso das músicas, das poesias, dos sonhos, das lembranças e de todos artifícios que consigo para aproximar as assombrações das quais deveria fugir. 
Volto a cena quantas vezes forem necessárias para lembrar a cor dos arranjos que ficavam em cima da mesa, para tatear novamente o mesmo corpo, para provar uma vez mais aquele vinho. Ponho sempre a mesma música para começar a escrever sobre qualquer assunto; a mesma música há tanto tempo, há tanta distância, há tanto... Abre sempre uma fenda no meio do peito. E eu gosto. Gosto do sabor amargo e da dor suportável que causa no peito cada um dos tuns dessa música porcaria que sei lá por que razão elegi para ser A música. E depois dela, sempre a mesma sequência. De músicas, sabores e pensamentos. Sempre a mesma necessidade - e, pasmem, vontade - de sofrer os mesmos atos, de perguntar os mesmos porquês, de revolver pela milésima vez o buraco que já deveria ter fechado.
Há fendas que nunca fecham. Sou uma daquelas que remexe até o final. Eu não me contento com o recalque, com a dor dissimulada, com o sofrimento mal vivido. Vivo até a última gota que brota da ferida que não vai fechar, saboreio o desprazer dos erros e dos acertos. Acertar também pode ser amargo e dolorido. Fazer o que é certo nem sempre é se fazer feliz. Sou feliz dentro da infelicidade de poder passar o resto da minha vida mastigando o sabor das escolhas que (não) fiz, redescobrindo sensações em cada cena que já passou. Como um filme que revejo pela milésima vez. A mesma trilha, mesmas falas, mas sempre um novo ângulo para se surpreender.

E a ausência desses goles de dor e prazer são a minha crise de abstinência. A razão pela qual perco as palavras, os sentidos e a vida da ponta dos dedos. Sou uma viciada em viver novamente aquilo que jamais deveria ser revivido.

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