quinta-feira, 22 de maio de 2014

Conto pra distrair: Pós-operatório

Enfileirou os cartões bancários. Anotou as senhas de cada um. Releu as antigas cartas de amor vagarosamente. Fechou as cortinas do quarto azul. Organizou todos os papeis. Deixou sobre a agenda um envelope, antes de bater a porta atrás de si. Tinha certeza que poderia morrer, que algo poderia dar errado. Seu pessimismo era imbatível e não sentia medo, apenas vontade de ter tudo organizado caso o que cogitava acontecesse. 
Quem o via organizando meticulosamente o quarto imaginava que se tratava de uma operação de alto risco, de um tumor maligno em estágio avançado. Ia retirar as amígdalas. Terminou o ritual de despedida, vestiu o traje hospitalar e esperou. Olhou longamente pela claridade da janela de vidros foscos e imaginou que poderia ser a última vez. Pensou que morreria satisfeito. Sem ter feito nada de grandioso, talvez com a trajetória um pouco abreviada, mas contente. A carta estava sobre a agenda e as recomendações claras de enviá-la no dia do seu enterro.
Declarava seu amor secreto, desde aquele primeiro encontro casual. Não sabia porque havia se apaixonado, não sabia porque jamais fora capaz de esquecer, mas sabia o motivo de nunca ter se declarado: estremecia ao cogitar a rejeição. Podia descrever seus dedos finos, as unhas lisas, uma leve marca no pescoço, detalhes captados ao acaso, quando a luz ofuscava a paisagem e só aquela visão era possível. Podia desenhar a expressão dos olhos ou falar demoradamente sobre as pernas que balançavam ou o hábito irritante de passar repetidas vezes as mãos no cabelo. Podia reproduzir mentalmente o timbre da sua voz, podia servir suas comidas preferidas, descrever a tatuagem ainda inacabada. 
Despertou da anestesia. Pensou que estava vivo, mas que o pior estava por vir. Poderia morrer pelas complicações, por uma infecção, via mil novas oportunidades de deixar o mundo. Pensou, pela primeira vez, que talvez desejasse morrer. Mais do que ter consciência da possibilidade, desejava a morte, o fim, o túmulo, a lápide, o frio e a leveza. Desejava mais não ser. Dizia ser pessimista, mas nesse momento ainda grogue do pós-operatório, concluiu que era apenas covarde. Tinha medo do que viria depois, medo de arriscar, de amar, de sofrer, de ser, de não ser. Preferia a inexistência às incertezas de estar vivo.
Sobreviveu à recuperação, contrariando suas piores expectativas. Chegou em casa e, apesar de adiar o máximo que conseguiu esse momento, teve que abrir a porta do quarto. Reencontrar as cortinas fechadas, a cama meticulosamente arrumada, os cartões enfileirados, os papeis organizados, as cartas de amor lidas e o envelope sobre a agenda. O envelope... Sentiu vergonha de si mesmo. Desejou, mais do que nunca, morrer. Talvez um ataque cardíaco, que não desse chances de salvação. Sentiu-se sufocar, mas sem parar de respirar. A dor fazia ter vontade de vomitar. Vontade de curvar-se e chorar. Chorar todos os medos, todo o amor que poderia ter sido, todas as histórias que nunca saíram da imaginação. Releu a carta, a declaração, se imaginou descendo a sete palmos enquanto a surpresa arrebatava o leitor de tamanha revelação.
Recobrou o fôlego.
Respirou.
Tomou uma decisão.
Fora tudo efeito dos remédios.
Estava delirando.
Não esperou que a carta terminasse de ter queimada, com medo de se atrasar para os compromissos meticulosamente agendados. Temia que o ônibus pudesse estragar no meio do caminho e arruinar a programação diária. Voltou a temer, religiosamente. Voltou à covardia. Voltou ao que não era, agora sem as amígdalas. Não teve medo de morrer, mas não tinha coragem para viver. E o fogo consumiu o segredo que nunca revelaria.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Conto para distrair: o garçom

Trabalhava há quinze anos no mesmo lugar, servindo as mesmas mesas e vendo a noite cair pelas janelas de uma esquina movimentada da cidade. Era garçom de um boteco importante, reconhecido pelos clientes fiéis e acostumado com a intensa correria de terça a domingo atrás do longo balcão de madeira. Casado há dez anos, conheceu a esposa no mesmo balcão escuro, pai de duas crianças e com uma insaciável curiosidade de viver outras experiências. Aprendeu a viver outras realidades enquanto servia bebidas para casais que escolhiam as mesas mais afastadas para ter sua conversa final. Aprendeu a diagnosticar, com folga, quais duplas ali entravam para dar fim aos seus relacionamentos, na segurança de uma mesa de distância do calor do corpo do outro. Com o tempo, começou a identificar também os rompimentos pelas bebidas, pela postura, pela comida não compartilhada. E fez do ouvido afinado uma arma para alimentar seu desejo de viver, enquanto via a vida passar pelo esverdear do semáforo onde ficava o boteco.

Na chegada de um casal, conseguia enxergar o desconcerto, o silêncio constrangido, apostar quais bebidas pediriam, a separação das comidas, das comandas, das mãos. E então se aproximava. Sempre escolhiam a mesa mais distante, o andar superior, a mesa com duas cadeiras opostas de frente para a vidraça. A visão para o andar de baixo era uma boa fuga de quem não queria olhar nos olhos ao chegar no fim. Atendia os pedidos, a bebida levemente alcoólica nos casos de encorajar as declarações de amor engasgadas, a secura da água sem gás para quem pretende encerrar o assunto antes de esvaziar o copo. A porção de alimento para quem desejava pretextos para alongar a conversa, a negação daqueles que não buscavam mais que uma resposta definitiva antes de sair dali. E ele se acomodava atrás, olhos no andar inferior, ouvidos nos romances inacabados da mesa logo ao lado. Caneta na mão, fingindo que fazia contas, conseguia anotar trechos do enredo, entender quem havia sido traído, quem havia desistido, quem cansou da relação e quem nunca a deixou existir. As mesmas pessoas que voltavam lá diversas vezes para terminar diferentes relacionamentos, e todas as histórias se encaixavam como se bailassem perfeitamente harmônicas entre a fumaça da fritura e o hálito de cerveja.

Um dia, resolveu dar fim no bloco onde anotava os desfechos das histórias e poucos dos nomes que conseguia compreender entre sussurros, soluços e vozes embargadas. Sem coragem de se desfazer de todos aqueles anos de atenção às intimidades alheias, escreveu um livro. Alterou os nomes, cruzou as histórias que coexistiam nas consecutivas folhas de papel e ficou famoso. Finalmente deixou de ser "o garçom". Passou a ser reconhecido pelo nome e foi premiado pela realidade das suas histórias. Muitos daqueles que lá terminaram suas histórias, ao seu lado, se identificaram com seus dramas e (des)amores, mas nunca conseguiram perceber suas próprias vidas contadas pelo punho do homem que assinalava xis nas comandas. Quando insistiu ao chefe para permanecer servindo o segundo andar do estabelecimento, foi chamado de louco. Mal sabe ele que, enquanto houver vidraças para dissimular, amores por terminar e uma mesa para afastar, o garçom sempre terá histórias pra contar.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Voltar (ou tanto tempo depois)

Mais uma segunda-feira.

Voltar e te encarar depois de tanto tempo, ainda confessor dos meus maiores segredos. Voltar e ler em ti os mesmos sentimentos, tão conhecidos e ao mesmo tempo tão novos ao serem relidos através da luz de um sol poente. Te reler sob as mesmas árvores, o mesmo banco. Te ouvir sendo meu eco, como se estivesse logo ali do outro lado da mesa. Ter que deitar para olhar por baixo as folhas embaladas pelo vento do fim da tarde que me sopram tudo o que já te disse e que jamais permaneceu em segredo. Ler em ti as tão velhas novas angústias diárias, o amor tão desfeito, refeito e malfeito. Te beber inteiro em um só gole, sem jamais me saciar nem me dar um porquê. Voltar pra ti, depois de tantas folhas jogadas fora, tantas canetas gastas, tantas músicas mal empregadas, tanto pouco sofrimento mal sofrido, depois de tantos outros amores. Te ver abrir os braços, poder quase sentir teu cheiro, e me aceitar de volta mesmo depois de tanto tempo posto fora. 
Tanto tempo imaginei o que te escreveria ao voltar e nenhuma palavra restou. O cursor permanece piscando, reticente, como há cinco anos. Falta tanto que ao escrever no diário só sobrou a frase "hoje fiz sopa". Falta tanto quanto a falta que me fazes. Falta tanto quanto ter que te escrever mensagens cifradas para dizer que tudo vai voltar ao seu lugar. Falta tanto quanto poder te escrever tudo o que senti nesses últimos dias e meses e ano. Desaprendi as despedidas, fico cada vez pior na arte de te dizer adeus. Meu texto não termina, e só me resta te dizer que hoje fiz sopa e que, mesmo que eu não volte mais, vai ficar tudo bem. Pelo menos é isso que me convenço diariamente.

É só mais uma segunda-feira, dentre tantas outras que virão...


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Hacía frio

Talvez aí no seu planeta faça tanto frio que já se esqueceu de mim
E esse seu mundo, ah! Que pena, ele gira rápido demais... 
Seu tempo acelerou no relógio do nunca mais 
Aqui na Terra, vai tudo bem, sim. 
O Sol vem todo dia me relembrar que não se morre de amor. 
E todo dia ele vai ser por... 
Avisando ao vento que já não é tempo do tempo que ficou pra trás.
Mas pode voltar, viu? Pode vir sem avisar, pois ainda tenho aquelas histórias pra te contar, ainda tenho a receita anotada, ainda tenho aquele vinho pra se tomar. 
E de falta de amor, você vai ver que também não morrerá.

terça-feira, 2 de abril de 2013

No embalo

Cresci ouvindo a minha mãe dizer: "quem ama de verdade, perdoa."
Feliz é quem sabe recomeçar, um pouquinho mais sábio e com o dobro de amor pra dar.
E nessa história toda, quem é que vai me perdoar?
Amor bom é amor de bom dia, no canto do ouvido, na doçura de um aconchego, no brilho de um sorriso.
Mas a vida chega pedindo errado, perguntando de trás pra frente.
A nossa história se embriagou na cumplicidade de um café amargo.
Nas horas que se separam, nas contas para serem acertadas depois.
Mas se todo pranto tem prazo, toda essa pressa de não ter pressa nenhuma acabou demorando a chegar. 
Encostei minha vida no seu ombro e prometi a cama arrumada.
Encostei-me para descansar, por um breve intervalo de tempo e acabei ficando, acabei me esquecendo de voltar.

sexta-feira, 29 de março de 2013

Relacionamentos são que nem sapato. Conclusão depois de ficar meia hora olhando pra todos os sapatos novos que eu tinha no guarda roupa, praticamente que eu nunca usei com medo de estragar, ou porque não são confortáveis realmente. A verdade é que nenhum sapato no início é confortável. Causa bolha, calos, assaduras, arranhões. A gente demora pra se acostumar a eles. Melhor dizendo, a gente demora pra se adaptar ao novo jeito de andar com eles. Com certeza tropeçamos e queremos logo tirá-los no final do dia, com aquela sensação de alívio do pé descalço. Pois é. Aqueles sapatos que antigamente machucavam nossos pés, depois de um tempo, se tornam um encaixe perfeito.
Enfim, depois de meia hora fitando meus novos pares, fiquei procurando aquele velho, de longa, longa data, pensando que eu infelizmente e provavelmente o teria doado. Foi quando eu vi ele escondido, embaixo de todos os outros, esquecido há um tempo. O preto não brilha tanto, o salto está meio torto, o bico esfolado. Mas ele é familiar. É conhecido. Meus pés cansados se sentem em casa com ele. Muito melhor que começar tudo de novo com um novo par: duro e sem nenhuma história pra contar. Vou aproveitar os meus velhos sapatos... enquanto meus pés ainda não estiverem prontos para um novo relacionamento.

terça-feira, 26 de março de 2013

Há quem lembre

Há quem falará de nós. Duas meninas aprendendo com as lições que a vida ensinava. Aos 14 anos, conheci um tipo de conexão que eu não sabia que poderia existir. Pelo menos, não pra mim. Conheci uma garota que mudou minha vida. Conheci um novo modo de ver o mundo, de ver as pessoas, de ver a mim mesma. Conheci não só uma pessoa incrível, inteligente, perspicaz, sagaz e generosa. Conheci a pessoa certa para ocupar um cargo muito especial na minha vida. Um papel que ninguém melhor que ela poderia desempenhar, e ainda, graças ao nosso jardim, desempenha. Nunca vou entender como construímos essa ponte tão florida. Tão bonita. Tão infinita. Nosso entendimento é sublime. É feito de puro amor. Cuidados e carinhos sempre foram marca registrada de nossa cumplicidade.
Há quem lembre de duas meninas andando pra cima e pra baixo numa cidade que costumava ser pequena. Duas meninas cheias de sonhos jogadas na grama, negando a existência de uma aula de matemática na sala ao lado. Eu estava no início de tudo, diante de tudo, diante dela. Despertei para o que sou hoje graças a ela. Graças as nossas conversas ricas em reflexões. Graças aos nossos gostos e prazeres convergentes. Graças ao nosso amor. Há quem lembre da nossa amizade. De como costumávamos fazer tudo juntas. De como tu sempre estavas lá por mim. Há quem lembre de como éramos diferentes, mas mesmo assim, nossa combinação era exatamente como deveria ser. Há o cais, o café, o bar da escola. Há girassóis, rosas amarelas, e barras de chocolate Napolitano. Há lágrimas, risos, deboches e tristezas tão profundas que jamais serão contadas da maneira que nós as vivemos. Nossas memórias estão lacradas no fundo do meu coração. Memórias que ninguém, nunca, terá como competir. Não porque não existem outras pessoas incríveis por ai... Claro que não. Mas porque aquela riqueza de descoberta nunca conseguirá bater outras. A entrega para ela nunca poderá ser comparada a outras entregas, mais sutis, menos puras. Hoje o mundo não é o mesmo para mim do que naquela época. Estou mais dura, sim. Porém, meu amor ingênuo e puro está guardado, guardado para ela. E agradeço por isso todos os dias.
Há quem saiba dessa amizade. Há quem inveje. Quem admire. Quem não entenda... Mas com certeza, ela está no ar dessa cidade que logo vou abandonar também. Está no cheiro da maresia espalhada pelos cantos estreitos das ruelas daqui. Está nas fotos, nas cartas, atrás das fotos 3X4. Está em nós. Está em quem conviveu com a gente para poder lembrar também, de duas meninas, duas meninas que compartilharam tudo que havia para ser compartilhado e vivido na mais pura simplicidade das rotinas possíveis... mas não menos inesquecíveis.

Atualizações Sentimentais

Meu amor, não sei o que acontece por aqui, mas tenho a sensação de estar entrando a terceira primavera seguida. Por essas bandas, a natureza se equivocou e vem enchendo as árvores de flores.  No clima floral, nossa calandiva também está permanentemente florida desde outubro, toda laranja, cheia de vida e logo precisará ser transplantada para que possa continuar crescendo. Tu precisavas estar aqui para ver isso.

Asfaltaram as duas ruas próximas da nossa casa, tu não reclamarias mais das crateras no meio da avenida. Houve um evento na praça do coreto, aquela por onde passávamos quase diariamente, que a encheu de crianças e famílias e a ocupou da forma como sempre concordamos que praças deveriam ser ocupadas. Chegaram alguns livros que há tempos estavam em nossos desejos e completei a biblioteca com mais uma estante, que já está praticamente lotada também. Houve uma tragédia, um incêndio; morreu o Amigo, o cachorro do teu avô herdado pelo teu pai. Também nasceu o filho dos amigos. E fizemos por aqui bons e grandes amigos. Nosso canto tem novos ares por causa da disposição dos móveis. A casa que gostamos na subida da rua está à venda. O prédio aqui perto está ficando pronto, só imagino como adoraríamos a vista  dos últimos andares. Aqui do lado abriram uma oficina que faz barulho o dia inteiro. Construíram um muro que deu o que falar aqui na cidade, sabia? Tu precisavas estar aqui para ver isso.

Aprendi a operar com segurança uma panela de pressão - e aprendi que tirar a pressão levantando a válvula não faz a panela explodir, como minha mãe sempre me dizia e eu repetia para ti. Aprendi a pular por cima da bagunça e sair de casa para me divertir com a Helena, como tu sempre havia sugerido. Aprendi a me virar em espanhol. Aprendi a otimizar o tempo. Meu celular se espatifou num dia e foi dessa pra uma melhor. Continuei assistindo todos os campeonatos possíveis e imagináveis de tênis. Conheci algumas músicas legais, vi documentários interessantes. Chegaram muitos postais. Tenho pintado mais as unhas. Li muita literatura nesse tempo da tua ausência, precisava preencher teu espaço com histórias quase tão boas quanto as que improvisavas para mim todos os dias. Arrecadei mais três livros da Isabel Allende para aumentar minha paixão; um deles, li em um dia. Comecei a ser mais segura de mim mesma, meu amor, como mãe e como mulher. Tirei nove numa prova, mesmo com casa, Helena e algum cansaço nas costas. Tu precisavas estar aqui para ver isso, tu estarias orgulhoso de ver isso.

Mesmo com tanta coisa acontecendo, há algum tempo todos os dias são iguais, contabilizando as saudades na descida da Câmara e te contando com o coração tudo o que não posso te mostrar com teus próprios olhos. Já se foi dez dias, vinte, um mês, dois, foi a metade, o pior já passou, foi três e agora quase quatro. E parece que o tempo continua se arrastando, todos os dias as mesmas cenas, as mesmas perguntas. Tu estás presente no cotidiano, presente nas conversas, nos passeios, na escola da pequena e nas aulas que frequento. Tu estás presente em cada livro que não consigo encontrar. Tu precisavas estar aqui para ver isso. Tu, definitivamente, precisas estar aqui. Nós precisamos de ti, da tua presença bagunceira e teu espírito divertido, das tuas noites insones perambulando com um livro embaixo do braço, das invenções culinárias e das toalhas penduradas pelas portas da casa. Queremos mesmo sem isso, queremos de qualquer jeito, porque agora sabemos que não precisamos. Que te queremos aqui. E por não precisar, te quero ainda mais.

Estou sempre te esperando.

domingo, 24 de março de 2013

Histórias para Helena

Três meses de jejum e escrevo mentalmente todos os dias para ela, Helena. Escrevo para o dia em que se tornar adolescente, para o dia que quiser marcar a pele com fatos inesquecíveis, para aqueles dias onde a felicidade dominar de forma explosiva ou para aqueles onde o fim da tristeza não for visível a olho nu. Para que ela saiba que todos temos os mesmos dramas, mas que mesmo assim os seus serão únicos, que serão ouvidos por uma amiga compreensiva.
Sonho com o dia em que me perguntará sobre meus namorados. Com os dias que fará as contas sobre o tempo do meu casamento e sua idade e que constatará que, mesmo tão jovens, não casamos grávidos e que ela foi uma linda consequência do amor que nos transbordou desde o primeiro momento. Imagino as histórias, direi os nomes, os endereços se os souber, permitirei que conheça o meu passado, minha vida, meus amores, minhas desilusões, desnudar minha alma perante esse ser frágil que me conheceu desde seu primeiro instante de vida e que me gerou mãe. Nós vamos encolhendo diante dos filhos, meu bem. A grandeza da sua inocência, as roupas que deixam de servir rápido e as lições diárias de amor e compreensão fazem com que nos tornemos todos os dias um pouco menores ao lado desses gigantes, os filhos. Sonho com o dia em que eu dormirei no seu colo. Que ela será meu primeiro e último refúgio de intimidade e carinho, que ela foi e sempre será minha grande amiga.
Penso em imprimir páginas desse blog adolescente, em dar-lhe um punhado dos meus sofrimentos para que ela os conheça, para que pergunte quem os causou, para que saiba que também fiz alguém sofrer. Não penso em mudar a história, não cogito ser a mãe puritana. Quando chegar o tempo, ela saberá de tudo que quiser saber, sem mentiras, sem omissões, sem culpas. Direi a ela que o melhor gosto do passado fica com aquelas pessoas que nunca imaginamos que seriam tão marcantes. Contarei tudo porque acho linda a cumplicidade que pais e filhos podem ter quando se empenham em uma relação baseada na confiança e na verdade e porque queria muito ter tido essa relação quando foi a minha vez. É sempre a nossa vez.

Registro os fatos, tento relembrá-los da forma mais verídica para que a poeira das memórias não me faça cometer injustiças ao contar essas histórias. Talvez seja por isso que vivo revisitando as mesmas velhas memórias, para que estejam sempre frescas, os odores, os lugares, como um livro que tiramos da estante para arejar suas páginas. 
Enquanto esse dia não chega, é hora de juntar os brinquedos espalhados pelo chão e arrumar a mochila para a escolinha amanhã.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Seus cabelos eram conduzidos pelo vento de um lado para o outro no alto da montanha. Ela tentava se encontrar ao fitar a imensidão do mar. Olhar para trás era difícil. Esperança é um doce veneno. Mata devagar, engana o maior dos realistas. Mas a verdade vem de longe como uma flecha, na hora em que deve surgir, direto no coração.
Ela se sentia forte, então, por que a lástima? Por que a dor? Afinal, a ampuleta já havia sido quebrado. Era suficiente. Ela tinha que continuar lutando. Não havia escolha. O caminho era um só. O árduo caminho de se estar só.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Letter

Eu sonhei uma vez que eu tinha te perdido. Eu não sei exatamente o que
aconteceu no sonho, não lembro mais dos detalhes, mas lembro de acordar e
te ver dormindo do meu lado.
Provavelmente
já havia passado do meio dia e fazia Sol, assim como hoje. Eu te ouvi
respirar, me acalmando. Era como se pudéssemos falar sem palavras. Eu me
pergunto, como e quando nós aprendemos isto. O nosso silêncio. Essa
linguagem secreta. Eu só sei que de alguma forma nos nossos silêncios,
juntos ou separados, eu te ouvi. E agora estou aqui com estas palavras,
estas palavras inúteis, quando tudo que eu queria era estar ao teu lado
de novo. 
Pra te fazer sentir seguro. Te ajudar a dormir. Te trazer de volta pra mim...

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Abstinência. É como se um grande vazio se instalasse dentro de você. Como se só importasse a dor da falta. É mais do que saudade. É o não ter desesperado em busca do que já não faz bem. É um vício, apenas.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Invisível Visibilidade

Foi um dia comum, ontem. Até que ela parou e, na saída do restaurante, acenou para uma criatura visivelmente invisível e longamente conhecida dos frequentadores do local. Heleninha parou, encarou o velho senhor maltrapilho que pedia moedas em um copo de requeijão e imediatamente se dirigiu a ele, abanando efusivamente. Ela queria me ensinar que nós construímos a invisibilidade daqueles que estão ao nosso lado. Como todos os outros, eu fingia - e me envergonho profundamente disso - que ele não estava ali. Fingia que não via a sua miséria, sua tristeza, sua dificuldade para falar e as mãos corroídas pelo tempo. Ignorei a sua decrepitude para não ter que encarar a miserável que a vida fez de mim. Ela parou, tirou o bico da boca e logo ofereceu ao senhor, que riu. Naquele momento, ele foi vestido da visibilidade de que o privamos todos os dias, enquanto não encaramos suas misérias para não esbarrar na nossa própria mesquinharia. Ela parou e conversou na sua língua ininteligível com o senhor invisível, que respondeu prontamente. Senti vergonha de mim e, confesso, não agi para mudar a minha atitude. Estava abismada com a lição que tinha acabado de aprender com ela, tão pequena, tão leve e tão certa. Ela que não consegue ver os mantos de invisibilidade a que condenamos os nossos semelhantes, ela que ainda enxerga a dor dos outros como se fosse sua, ela que me mostrou que ele é tão visível quanto a "mama", que ela chamou em seguida. Me aproximei. Ele era real, era um homem, tinha os olhos tristes de quem só observa e vê os outros passando. Ele tinha uma fala contida, quase muda, de quem se acostumou a não ser ouvido.
O senhor maltrapilho e a bebê com passos ainda desequilibrados me ensinaram que os invisíveis somos nós que fazemos; me despertaram de um profundo sono de insensibilidade. Me deram uma segunda chance.
Ela deu tchau. Os olhos dele não saíram mais da minha memória.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Mas aí..

Para onde foste, amor? Em quê se transformou a ausência das palavras doces? Em que encruzilhada da vida te perdeste ou mudaste de rumo? Acordei pensando que a saudade virara um hábito. Pensar em ti é quase inevitável, porém vivo em um mausoléu de promessas e declarações fora de contexto.
As imagens vão ficando escuras e nesse momento há um pedaço de mim que sofre. Tenho saudades desse amor que não sei onde está. Sinto saudades da promessa do fantástico que era te ver. Sinto falta dos telefonemas tardios. Da nossa troca de olhares perdidos. De alimentar nossa história com fantasia. 
Não vejo nada muito claramente.  Parece que um foco de luz atrapalha minha visão. Uso óculos escuros para poder enxergar melhor, mas às vezes, sabe como é, nada adianta. Aí eu voô longe, quem me olha logo vê que estou viajando pelo espaço que nos une ainda, no tempo em que tudo fazia sentido. 
Acho que no fundo, te preparaste bem. A tua queda não foi alta, construíste em volta um muro e me deixaste do lado de fora. Medo de quê, meu bem? Te forçaste a me esquecer. Assim, enjoaste das minha filosofias e dos meus vícios de linguagem. A vida agitada, te agitou também por dentro. E minha calma já não agradava mais. Mas aí me ligas... para dizer o quê mesmo? Mas aí me ligas, e eu me apaixono de novo. E aí... pouco importa. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Letras miúdas

Terminava o filme que passava na tela
Letrinhas miúdas subiam ao som de uma música qualquer
Vi seu primeiro nome por entre os nomes desconhecidos e para mim, era mais como um letreiro
E pensei que um desconhecido em minha vida, um dia tu o serias também
Nossas cenas se repetiam no cinema interrompido do nosso roteiro.
E casualmente, seu nome em letrinhas miúdas, voltaria a ficar.

Para onde estávamos indo? Nos perdemos em alguma encruzilhada do nosso mapa mal traçado.
Não sabíamos a hora da partida e perdemos a largada,
Chegando em lugar nenhum, onde todos os amores mal resolvidos chegam.
Onde?
Não está mais.


domingo, 16 de setembro de 2012

Permanecido

Agradeço a inspiração. http://poetasdefimdesemana.blogspot.com.br.


Eu sentia falta dos abraços apertados que sufocavam meu medo de perdê-lo
Eu sentia falta do brilho dourado por meio da barba negra quando o sol iluminava a nós dois, ao mesmo tempo.
Sentia falta da sombra que nos unia no chão, por entre nossos passos, cruzando nossos caminhos, nos tornando intocáveis.
Sentia saudades daqueles risos demorados que iluminavam e rodopiavam na minha cabeça,
Como uma música entorpecente, me faziam esquecer o motivo da graça.
A falta dos risos e sorrisos me dilacerava, deixava um vazio, sonoro, visual, químico. Arrasava minha paisagem descolorida, constantemente fragilizada, arruinava minha razão.
Percebi, então, que via aqueles sorrisos muito mais do que quando os tinha. E percebi que eles nunca haviam de fato ido embora.  

Me falas de saudades


Viraste minha inspiração. Poesia advinda da dor.
Todo mundo precisa de uma fonte. Uns bebem água, eu bebo amor.   
            
Na nossa correnteza de palavras, quase promessas, era razão para o nosso viver. 
De que vale tanta certeza se o que nos faz seguir em frente é o não saber?


Me falas de saudades, me contas do teu dia-a-dia e reclamas da minha ausência, na mais pura ironia.
Me falas de saudades, do vazio na tua cama, no banco da moto, na tua nuca sem a minha boca.
Me falas dos resquícios de mim deixados por todos os lados
Nas gavetas das nossas despedidas. 

E eu te falo de sonhos. (Não dos que tenho contigo, meu orgulho me cala). 
Te falo de metas a serem saboreadas. Tento mostrar que o caminho é mais que a chegada.
Que os sonhos quando são grandes não demandam de tamanha pressa para serem alcançados.
Eles sobrevivem a longas distâncias, aguardam longas esperas em relógios quebrados. 
Esforço-me ao dizer que para andar, não se precisa de calçados.

Te digo que podemos ser donos do nosso tempo, apesar de sabermos que o tempo não pára.
Te peço em silêncio que me deixes por perto, que eu seja qualquer sorriso escondido na tua feição.
E que me deixes  viva nos batimentos ligeiros e descompassados do teu coração.

Te pergunto calada, o que sobraria se a saudade fosse sufocada?
Se minha foto ficasse amarelada no fundo da tua confusão?


Me falas de família, de trabalho, de bares.
Eu te pergunto por que tamanha solidão?



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Nessa Segunda Azul


E quem diria que eu iria mesmo afundar sozinha? Pois é. A história acaba assim mesmo. Eu, agarrada no mastro, no meio de uma tempestade, afundando, sozinha. E eu penso, ainda bem que sei nadar.
Eu fui paciente e cautelosa, porém, decidi ceder. Eu baixei a guarda, tirei a armadura, entreguei meus pensamentos e meu afeto com todo cuidado e com toda a ousadia necessária. Cinco meses de bom dias, de confissões, de entrega, de uma amizade apaixonada. Cinco longos meses que passaram rápido demais. Sinto ainda o gosto da ansiedade na minha boca. O brilho nos meus olhos ao pensar em ti. Sinto minhas veias latejando ao pensar em te encontrar. Sinto aquela emoção exacerbada e estupidamente pura quando eu te vi pela primeira vez. Ou melhor, eu sentia. Sentia-me incrivelmente abençoada e grata, todos os dias, por ter alguém que eu queria dar todo o meu amor, do outro lado do mundo, pensando em mim. E depois, há algumas horas. E depois, na minha frente. Poder te tocar e te abraçar foi uma das melhores sensações da minha vida. Poder olhar nos teus olhos e dizer o quanto eu esperei por aquele momento, foi mágico. E todo o tempo de espera, que foi ótimo para mim, derreteu quando tu pegaste em minha mão com tamanha delicadeza e carinho. Era uma energia simplesmente fantástica. Eu podia sentir aquele amor em todas as células do meu corpo. E tu me perguntava, o quanto eu te amava. E eu nunca soube responder completamente. Porque eu te amaria de todas as formas e quantas vezes fosse necessário pra que tu acreditasse no meu amor. E eu sei que tu o sentia. Era palpável como calor. Era um fluido transparente que passava das minhas mãos para o teu peito nas tantas vezes que ficamos em silêncio, deitados um ao lado do outro, de olhos fechados. Eu posso afirmar que vivi um sonho de um sonho. E escrever sobre isso, torna o nosso sonho real e imutável. Sabe, minha memória me prega peças. É a primeira vez que me lembro da gente. Fiz um esforço muito grande para apagar as coisas boas que vivemos, para não doer. E funcionou, por incrível que pareça. Mas decidi deixar no papel algumas lembranças porque elas valem a pena por si só. São bonitas demais para ficarem esquecidas. A nossa história daria um livro, na minha opinião. Estou aqui de coração dilacerado escrevendo trechos. Mas há muito mais. Uma infinidade de detalhes belíssimos escondidos nos minutos compartilhados contigo. A nossa poesia de mãos dadas. Como a gente costumava dizer, “é muito amor”. Lembro daquela maneira única que tu me beijavas: era um beijo com carinho e com um sentimento enorme; um beijo com saudades prévias e tardias. Um beijo de angústia, de posse, de medo. Um beijo de te quero para sempre. Eu sentia isso. ISSO não foi fantasia. Porém, o meu beijo era de pura gratidão e esperança de que a tua dor passasse. Que de alguma forma eu pudesse te curar com a minha segurança e a minha generosidade. Eu queria arrancar as tuas dúvidas, queria tirar o teu medo, queria cicatrizar as tuas feridas. Mas não dependia de mim. E esse foi o meu erro. Eu acreditei demais em ti, por mim e por ti, de uma só vez. E superestimei meu talento em ajudar as pessoas. De alguma maneira devo ter te ajudado, talvez os frutos não tenham ficado maduros ainda para serem colhidos.  Talvez.
Estou anestesiada pela ausência das falas. Pelo celular desligado. Pelo meu silêncio, pelo nosso silêncio. Estou atada nessa história e às vezes, penso, foi real? Terá sido algo inventado de forma tão bela, sem falhas? Será que me dediquei a apagar as imperfeições? Será que não vi as cicatrizes tão aparentes? Será que eu não quis ver? Será que minhas expectativas tornaram as coisas maravilhosamente especiais?
Hoje está tudo diferente. Peguei minha parte de volta. Meu coração está inteiro. Meio colado, mas inteiro novamente. Não acho justo deixar nenhuma parte de mim por aí. Não acho justo comigo, que fique claro. E nessa segunda azul, já não imagino mais segundas ao teu lado. Estou presa ao presente com pessoas que querem estar nele. Não preciso de restos, de talvez, de possivelmentes.
Deixei-me levar pelas palavras fáceis, pelos sonhos da tua cabeça inconstante. E eu gostei da idéia. Mas não fui sincera comigo. Eu gosto muito do presente. Me teletransportei pra um futuro de suposições e esqueci de  olhar para o que estava a minha volta. Nosso presente era muito importante para mim. Foi um dos melhores presentes que eu já vivi. Mas me acostumei com a falta dos bom dias. Com a falta das ligações. Me adaptei a minha nova vida sem ti. Acho que um dia ainda vou acordar chorando, perguntando, por quê? Ou em alguma cena, em algum filme que tenha muitas manhãs e muitos parques verdes, eu fique reflexiva e nostálgica. Ainda não aconteceu. Não sei se é porque o único caminho para mim agora é o de estar firme ou se é porque ainda não te coloquei no meu passado, por mais que no presente, tu não estejas mais. Deveria existir um tempo entre esses dois tempos. Um pretérito-presente ou presente-quase-pretérito. E como conjugar os verbos nesse tempo? Eu te amei? Eu te amo? Ah! Eu teria te amado para sempre.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Não Estou de Dieta

Num mundo pautado pela beleza, é anormal ouvir "não estou de dieta" de alguma mulher com mais de vinte anos - e muitas vezes, também anormal ouvir de adolescentes de quinze já tão preocupadas com o número do manequim. Num mundo onde vestir 40 é crime capital, me afogo em chocolate, bolo e culpa. Sou mulher e facilmente enganada pela mídia que me diz a todo tempo que doce engorda, refrigerante dá celulite, fritura mata. O que eles escondem é que a preocupação exagerada com o corpo começa cedo e mata muito mais do que fritura, refrigerante e doce.
Me recuso a fazer dieta e explico o porquê. Acho que dieta não mata só calorias, mata a espontaneidade, mata o sorriso, frustra um desejo que aparece no meio da tarde. Dieta, pra mim, é tortura. Mesmo depois de uma gravidez, voltei facilmente ao meu peso, mas meu manequim jamais voltou a ser o mesmo. Resolvi o problema sem dieta, sem correr feito louca, sem comer mais alface do que estou habituada: comprei calças maiores. Claro que tive crises, falei que estou gorda, briguei com meu próprio corpo e, lógico, não adiantou nada. Mas, como posso e devo, sou bem resolvida com meu novo corpo e meu novo peso.
É ilógico desejar que mulheres de trinta tenham os mesmos corpos que aos quatorze anos, é idiota incentivar a corrida contra seus próprios corpos, é absurdo legitimar métodos de tortura pra tentar tornar isso possível.  
Fazer dieta é rejeitar a si mesma, o corpo, as formas, a beleza. Claro que ouço muito me dizerem que "se eu posso melhorar, por que não?" e aí que me pergunto, por que ser magra é melhor que ser gordinha? Nota: ser gordinha hoje em dia é estar com o peso adequado, vestindo o tão temido 40, comendo e vivendo sem culpas, sem grilos, sem ricota (argh!).
Respeito quem faz dieta, mas não me sugiram métodos mirabolantes para enxugar gordura. Não me sugiram fórmulas mágicas para enxugar a mim mesma. Não me peçam para rejeitar as maravilhosas receitas do meu marido, regadas a batatas (carboidratos, meu Deus!) e muito azeite. Não me digam para cortar a comida, pois sem prazer na comida e no amor, não há sentido nenhum em viver.

Brigar com o peso, para mim, é como brigar com as estrias que ficaram da gestação. São marquinhas que o tempo e a experiência de gerar alguém me deixaram. E, mesmo que fossem só de brigadeiro, seriam as marquinhas da felicidade de não me privar das minhas vontades.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A Fonte Secou

É difícil admitir algo tão óbvio e que há tanto tempo já é tão perceptível. A fonte secou.
Não sei em que ponto isso se desenrolou, mas as palavras já não fluem mais, as linhas não se conectam, a pontuação foge e a sensibilidade desapareceu. As mesmas músicas que faziam verter rios de palavras já não surtem mais efeito algum; o céu não me diz mais nada; os dias estão todos iguais.
Há algum tempo, não sei quando, não sei onde, parei de tentar recontar as mesmas velhas e gastas histórias, não encontrei mais aquela velha ânsia de amar e de compreender.
Me sinto ainda mais incompetente ao declarar publicamente: a fonte secou.

Se ao menos eu voltasse a enxergar o mundo como ele sempre me rodeou, se ao menos eu reaprendesse a tatear as palavras, as palavras... Se ao menos eu voltasse a desbravar a imaginação.

domingo, 12 de agosto de 2012

Pai



Meu pai não é herói. Aos meus olhos de criança era um gigante que, ao me tomar nos braços, emprestava a incrível capacidade de voar. Meu pai era um super-herói doméstico, na vista dos meus pequenos olhos de criança. Lavava a roupa, organizava a casa, fazia mágica e a comida aparecia pronta, outra mágica e, com um pequeno aparelho branco, usava seu poder para transformar as rugas das camisetas da escola em seda pura, lisinha, branquinha, brilhante. Meu pai me acordava com o perfume de mingau e com o rádio baixinho para ouvir as notícias. Meu pai era um super-herói sentimental. Chorava por qualquer coisa, a qualquer momento, sem qualquer pudor. Para mim, a frase "homem não chora" certamente não se aplicava aos super-heróis, assim como meu pai. Talvez as lágrimas que caíssem daquele par de olhos azuis também fizessem parte de algum dos seus poderes.

O tempo passou e o meu corpo cresceu em volta dos meus olhos de criança. Minha visão se alterou e, com ela, as coisas ao redor também mudaram. Pensando hoje, talvez seja por isso que precisei de óculos, para aprender a enxergar o mundo sem as mágicas e os poderes do meu pai.

Descobri que meu pai era humano, sempre havia sido humano, para sempre seria humano. Descobri que meu pai possuía defeitos, que os braços dele não seriam capazes de sustentar o meu peso pela vida toda, que os seus olhos azuis choravam por motivos que talvez eu nunca vá entender. Um dia descobri que ele poderia ter outra vida, outro rumo, caminhar outros passos e tive certeza de que meu pai era realmente humano. Conheci suas falhas, seus defeitos e passei a me apegar ainda mais às qualidades, determinada a nunca esquecer do gigante que me fazia voar quando era criança.

Meu pai me deu muito mais do que características genéticas. Meu pai me deu muito amor, muito carinho e muitas decepções. Me ensinou a ser tolerante e a aprender a respeitar, dentro dos nossos limites, as características e as escolhas que cada um faz na sua vida. Me ensinou a ter paciência e a fazer chocolate quente. Me ensinou que os seres humanos são mais heróis do que os que transformam camisetas amassadas em trajes de gala, que é possível conviver com defeitos, respeitá-los e até amá-los. Meu pai me ensinou a tocar a vida sozinha. Me ensinou que eu não posso esperar ter alguém sempre ao meu lado, que muitas vezes a vida exigirá só de mim e não haverá ninguém para quem recorrer. Meu pai me mostrou que a vida é uma só e que não há espaço para arrependimentos e sonhos frustrados. Meu pai me mostrou tudo de si e por isso sou grata. Sei que ele não terá vergonha de pedir desculpas e reconhecer seus erros quando essa hora chegar e sei que algum dia ele ainda recuperará o tempo perdido e descobrirá que eu cresci em volta dos meus olhos. Sei que um dia ele verá na minha filha a oportunidade de fazer tudo de novo para ela e, principalmente, para nós. Sei que reconstruiremos o que ficou perdido.

Tenho certeza de que o tempo é sábio. O mesmo tempo que nos faz perder a visão dos nossos super-heróis e ganhar a visão de pais, companheiros, amigos, humanos e falhos, falhos como nós. O mesmo tempo que me faz feliz por não ter a pressão nem a culpa de pais perfeitos por trás de mim. Meu pai é admirável por muitas coisas, mas a maior delas eu sei contar aqui: ninguém jamais vai conseguir me fazer voar outra vez.

Feliz dia dos pais, meu pai.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Retomada

Não sabia onde estava com a cabeça. Pensou que o mundo andasse numa linha reta, que simplesmente jogaria algumas dúvidas inquietas para trás e elas nunca voltariam, batendo na sua cara com a força do vento de quem deu a volta ao mundo com o impulso de um desleixo. Pois o mundo é bem redondo e as nossas inquietações sempre voltam. Os fantasmas sempre descobrem um novo lugar para se esconder, ou melhor, para serem achados. Precisamos do dedo maldoso das dúvidas que nos tiram da calmaria, que nos cutucam em sonhos (nem tão) inocentes, que retorcem no nosso nariz as mais cruéis suposições sobre um outro passado - e um outro futuro.

Não imaginava que, num belo dia de sol, o passado beijaria o seu rosto com aquele ar irônico de quem teve todo o tempo do mundo para se mostrar na melhor oportunidade. Perguntas ficaram pairando pelo ar, de qualquer jeito precisaria tirar tudo a limpo. De qualquer forma, recontar as mesmas histórias pela milésima vez, juntar os fragmentos que a construíram. E isso é o que ela estava disposta a fazer.

Um dia, ele bateu a porta na sua cara sem dizer porquê. E assim, sem saber, convocou todos os adormecidos demônios a invadirem sua casa, sua vida, revirar seus armários e atirar suas roupas pelo chão. Sem que ele quisesse, convidou-a para perambular eternamente em sua sala, dançar através dos móveis. Ele sente o seu perfume de flores pela casa e não lembra de quem é, mas sabe que esse mesmo aroma o impede de modificar a disposição do divã. Mas ele vai lembrar.

sábado, 9 de junho de 2012

Igual a Qualquer Um


Melhor que eu não te conte novidades,
Nem diga nada muito diferente,
Nem faça teorias sobre a gente,
Nem fale dessa angústia que me invade.
Melhor juntar palavras já testadas:
Amor, Saudade, Beijo, Despedida.
Um saco de figuras repetidas,
Tão gastas que já não te digam nada.
Pois só o que for extremamente fácil,
banal como as canções do rádio,
Replay de algum clichê, lugar-comum
E nunca retratar a nossa vida,
Vai te deixar feliz e comovida
E te fazer igual a qualquer um.
(Leoni)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O que faz um sentimento não morrer? E o que faz ele morrer? Ou se transformar em outro sentimento? Às vezes mais fraco, as vezes mais forte? O que muda a ponto de mudar tanto? Todos os dias são recomeços para mim. Uma página em branco, uma página familiar, porém em branco. É assim que me sinto a cada novo amanhecer. Não sou a mesma que era no último. E o que pode me conquistar, me magoar, me surpreender, por vezes muda também. Ou já não é suficiente.
Quanto mais segura me sinto, mais reconheço do que preciso. E confesso precisar de coisas diferentes a cada dia que nasce. Mas a busca é minha, as respostas são minhas também. Ninguém pode me dar o que eu não tenho. Ninguem pode plantar algo que não esteja pronto para ser colhido daqui a um tempo. E eu só enxergo o que reconheço. Minhas vistas muitas vezes limitadas não veêm a forma do que se apresenta diante de mim. Mas não há dor perdida. Não há magoa irrecuperável. A vida sempre escolhe certo de alguma maneira. Essa energia maravilhosa que nos move, nos empurra para frente. Estamos interligados de maneira que nem imaginamos. Nunca estamos sozinhos. E isso me faz sentir algo próximo de certeza. A certeza de que no fim, tudo dá certo.

sábado, 26 de maio de 2012

Continuar

Eu preciso de férias. Férias desse sentimento que me consome, me intriga e me confunde. Eu me perco tanto e tantas vezes no mesmo caminho. Dou meia-voltas, voltas inteiras e paro, também, em qualquer barreira. Fico parado por tempo demais. E sofro. Sofro muito. Esse desejo agudo, sim, é um desejo agudo, de querer que as coisas fiquem imóveis, paradas, do que jeito que estavam. Por que pessoas não são feitas de cera? E momentos não são fotografias? Por que tem que ter tanto desvio e tanta gente passando por esse caminho. Aí que eu fico perdido pra burro, sem saber pra onde ir. Sinto vontade de voltar, mas para onde? Para o quê? A solidão me consola, mas me cansa. Bebe até a última gota da minha esperança. Também estou farto dela. Estou farto de tudo. Farto e desolado. Desolação. Quando me ergo, pesa mais. Quando tento olhar para cima, algo ofusca minha visão. Sinto-me em um túnel longo e escuro. E por alguma razão, ouço alguém falar de longe, baixinho, quase um susurro: continue.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Único caminho

Espere por mim, meu bem.
Venha de mansinho. Chegue, assim, devagarinho. Sem fazer muito barulho que eu não gosto de confusão.
Não me pegue pela mão. Não ande na minha frente. Não finja estar contente.
Não procure gostar do que leio, do que escrevo ou até mesmo do que falo.
Seja crítico, meu amor, seja sincero.
Não fale comigo quando não quiser falar, não me diga que me adora por conveniência.
Não desista de mim, meu bem. Apesar de querer, todos os dias, um pouquinho, desistir.
Não deixe de querer desistir porque é a tua vontade maior que fiques que te faz ficar.
Não deixe de me dizer bom dia e nem agradecer pela minha preocupação.
Não me deixe completamente nua. Eu não sei ser nua, nem quando nasci.
Não me deixe esperando... numa conversa, do outro lado da linha, no meio de uma multidão.
Não se irrite com minha ingenuidade, nem com a minha preguiça demanhã.
Não se queixe da minha mania de viajar por galáxias distantes em busca de mim mesma. Às vezes eu não te levarei comigo.
Não grite comigo, mesmo quando quiser, mesmo quando quiser muito.
Não me trate mal, se não quiser me tratar bem, suma por alguns dias.
Não banque o interessado, não desminta mentiras minhas, finja que acredita nelas. Um dia eu conto a verdade.
Não faça piadas desnecessárias, não ria dos outros na minha frente, não condene minha família desestruturada.
Não mude de humor muito seguido, não durma de mau humor comigo.
Não me deixe maluca, ou deixe, mas só quando for a última opção para me chamar a atenção. Eu sei que posso ser distraída.
Não me exiba para seus amigos, não me esconda deles também.
Não me ofereça um cigarro, jamais.
Me compre bebidas às vezes, whisky, de preferência.
Não me leve para o pagode, para o sertanejo, para o samba reggae rock, "whatever".
Deixe tudo claro, tudo certo, tudo limpo para facilitar as coisas para a minha imaginação e para a minha insegurança.
Não tente me convencer, não tente me persuadir, não tente usar palavras complicadas para me confundir.
Sim, não me confunda. Jamais.
Me faça um café forte de madrugada quando eu estiver escrevendo coisas que nunca lerás.
Me olhe enquanto eu estiver ocupada, sem que eu perceba.
Me surpreenda todos os dias.
Me faça voltar para tua cama por desejar algo a mais. Me faça lutar por algo a mais em nós.
Entre no mar comigo, entre fundo, onde há tubarões. Se arrisque.
Reserve um jantar para nós dois, reserve um olhar especial para mim e um sorriso, "it would be nice too".
Seja intenso e não reclame da pimenta que eu coloco na comida que eu fiz, é claro que eu não gosto de cozinhar e é melhor se acostumar com isso.
Não reclame demais de mim, não me canse. Eu me canso fácil de reprovações. Eu não sei falhar bem.
Não aponte o dedo para mim. Não diga "eu te avisei".
Não reclame do meu salto. Do meu batom. Da minha roupa e do meu cabelo. Ele não é liso, sorry.
Não desconte os problemas em mim, não aja como se não soubesse o que está acontecendo.
Não seja relapso, por favor! Nada pior que alguém que não se importa e finge que é sonso.
Não me mande flores. Não escreva cartões comuns. Não diga que está com saudades sempre.
Não me deixe mal acostumada. Faça-me duvidar da realidade e depois me mostre como estava enganada.
Conte-me uma história antiga, conte-me do seu dia, conte-me algum sonho.
Me inclua no seu futuro. Me escolha para estar nele.
Não me descarte facilmente. Valorize meu jeito diferente.
Não reclame que sou muito calma, que sou muito lenta, que sou devagar. Eu gosto de andar devagar.
Não me dê relógios. Nem perfumes. Nem bolsas.
Não exija demais de mim. Não me iluda. Não me teste.
Não reclame que eu gosto de comer a sobremesa antes ou que eu bebo muito. Eu não vou beber cerveja, também.
Não me chame de louca. Nem quando eu parecer louca.
Não se esconda de mim, não me deixe no escuro. Não pare no meio do caminho.
Tenha coragem para enfrentar nossos problemas. Não deixe que os empecilhos da vida tirem o que temos de melhor.
Não se acostume comigo, mas me conheça melhor que ninguém.
Tente me entender. Tente mesmo. Eu nunca te faria mal.
Eu vou escutar música alto, vou deixar tudo uma bagunça, vou estragar seu adoçante por apertar demais a embalagem.
Vou esquecer de alguma data, vou esquecer de algum prazo, de algum evento. Vou esquecer.
Vou cantar muito, o tempo inteiro. Compre fones.
Vou reparar em coisas esquisitas, e perguntar coisas esquisitas. Vou ter atitudes esquisitas. Não me julgue.
Não esteja comigo querendo estar em outro lugar. Não converse comigo enquanto coma, no telefone.
Não me desaponte freqüentemente. Não me suje de falsas esperanças. Não me diga coisas óbvias.
Não exija minha simpatia com quem não gosto. Não exija que eu fale quando não quero. Não insista. Nunca insista.
Não me encurrale. Não me abandone também.
Eu já pedi para ficares? Pois, fique.
Fique a vontade, fique o tempo que quiser, fique sem razão, ou por umas mil.
Fique não por ser o único caminho. Mas por, na verdade, ser.

sábado, 5 de maio de 2012

Ventos fortes

São ventos que passam e nos arrastam. E nos levam para longe onde não temos força para acreditar. São ventos fortes esses. Possivelmente muito fortes. Podem arrancar nossos pés do chão. Mesmo com os olhos fechados eu posso sentir as nuvens no meu rosto, e dentro da minha mente, está você. Meu coração sente a pressão quando eu volto para a Terra. Somos tão humanos. Maravilhoso, se às vezes, não doesse tanto. Se às vezes os ventos não nos levassem para longe de nós mesmos. Sinto saudades de tempos de calmaria. São tempos difíceis esses. São tempos de coisas não óbvias. São ventos incertos. Nada de meia-estação. Sinto o calor do Sol queimar, sinto o frio rasgar. Sinto tudo demais. E quando não sinto, é como se eu tivesse perdido algo pelo caminho. Talvez eu dormi tempo demais. Talvez minha calmaria tenha sido alienação. Talvez viver realmente seja um vento forte. Mas eu posso ser mais forte ainda.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Carta para Gabi

Gabi, estava aqui pensando em jardins. Acho que somente tu vai entender a metáfora, pois ela está atrelada as nossas memórias. Aprendi com meus jardins que a maioria deles são passageiros, por inúmeros motivos. As vezes não suportam o frio, os temporais, o calor excessivo. As vezes o terreno não foi bem preparado, ou eu não comprei o adubo correto para que florecesse. A verdade é que a vida nos meus jardins precisavam de mais cuidados, ou dos cuidados corretos. Meus jardins não deram certo. E que ficou no lugar, foi um terreno devastado, com uma cerca alta para ninguém ousar pertubar a paz ou a solidão que se intalara ali. Muitos jardins... Mas foi contigo que vi que posso ter um jardim florido, duradouro, regado de felicidade. Vi que era possível me envolver, compreender, respeitar, perdoar, recomeçar. Vi que as estações moldaram o jardim, fizeram-no mais forte, mais bonito. Visito esse maravilhoso jardim todos os dias, para cuidá-lo, admirá-lo. Porque ele é único para mim. E quando nada parece dar certo, me deito por entre suas flores, e não há no mundo sensação igual a esta.

Obrigada.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

O azul pintado de claro entrava pela janela do meu quarto, me fazendo parar por um segundo e me assustar com a velocidade com que o tempo havia passado por entre meu café gelado, minhas mãos trêmulas e meus olhos cansados. Eu podia sentir meu esforço se esvaindo por debaixo da porta com a fumaça que meu incenso queimava. Meu esforço tão interligado com meu desespero na tentativa de fazer com que ela acreditasse em nós. E como se planta uma ideia na mente de alguém? Como seria possível?

A imagem de um futuro sem a presença dela nos meus dias matava o que havia de mais bonito em mim: esperança. É tão doloroso rasgar os sonhos, romper os elos, esconder o sentimento numa caixa para ser esquecido lá. Como é difícil ir em direção contrária a do coração. Parecia inútil. Já estava desistindo quando talvez o que ela quisesse fosse a demonstração do meu afeto, do quanto eu me importava, do quanto a queria. Foi no momento que disse adeus, então, meu bem que ela mais uma vez se rendeu a mim. Exatamente como da primeira vez em que assustada me olhou, inundada por aquele sentimento de entusiasmo e medo.

Nossas histórias são fragmentadas, nossos dias são cortados em mil pedaços, nossos finais de semana programados. Mas eu queria acreditar. Eu precisava acreditar por mim, por nós dois. Não podia demonstrar cansaço, desânimo e muito menos apatia. Mesmo quando me sentia fraco, era necessário mostrar a ela que era possível. Tinha medo que ao primeiro hesitar ela fugisse de mim mais uma vez. Mas era cansativo ser mais forte do que eu mesmo poderia ser. Era renovador, mas cansativo. Eu me inventava todos os dias para ela. Fazia-me o mais interessante e paciente possível, nada poderia atrapalhar nosso amor. Pudera...

E agora eu estava aqui, de joelhos para ela novamente. Esquecendo tudo que havia feito, para poder fazer mais. Somente para vê-la sorrir, para vê-la caminhar ao meu lado pelo canto dos meus olhos e me sentir bem. Mas me sentir bem mesmo, como se a vulnerabilidade da vida não existisse, como se aquele momento fosse eterno. E para mim, na realidade, era. Eu recomeçaria quantas vezes fosse preciso, eu partiria da onde ela estivesse, eu iria continuar o que havíamos começado infinitamente.

sábado, 7 de abril de 2012

Na estrada

O vento batia forte no meu rosto e os meus cabelos dançavam com a melodia do ar. Podia sentir meu coração descompassado, alucinado de emoção por estar com ele, tão perto dele. A estrada debaixo daquela moto me dava uma enorme sensação de liberdade. Tinha o conhecido há algumas semanas somente, porém nada me fazia acreditar que o tempo não media tantas coisas assim. Um novo mundo a ser descoberto tinha se aberto diante de mim. E eu pulei da ponte diretamente para essa correnteza de afinidades, emoções e coincidências que existiam entre nós. Não me importava muita coisa além daquele momento que nos unia por uma hora, talvez um dia, talvez uma vida.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Letras letras letras

Tanto tempo para perceber o óbvio. Para tocar, sentir, pisar e chutar o óbvio. Levamos uma eternidade para compreender as coisas de uma maneira que faça mais ou menos algum sentido, para formular uma sequência sem arrependimentos e para olhar sem receios. Cinco minutos são suficientes para desconstruir cinquenta anos de auto-tortura (existe o termo?), de culpas, medos e até uma certa incompletude. Meia dúzia de imbecilidades sem sentido. Letras letras letras vírgula letras sem sentido algum, sem a tentativa de um meio-termo, de entrelinhas, sem a expectativa das letras que não vieram. Letras que desejam escrever palavras mais ou menos ofensivas, caluniosas mas que só riem, dançam, sambam, l-i-v-r-e-s. Liberdade só tem sentido quando o coração se liberta. Toda outra liberdade é incompleta e insensata quando o coração se prende, a cabeça se culpa, a alma se corrói. Palavras que bailam sem amarras no ar, palavras que perdem a razão mas, da mesma forma, dão razão a todo o resto. São as palavras que prendem as mesmas capazes de libertar. São os sonhos que prendem aqueles capazes de libertar. É a vida que nunca prendeu aquela capaz de mostrar o quão preso se poderia ser.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Fácil

Algumas coisas são mais fáceis se não pensadas. É não ensaiar na cabeça os gestos, medir as frases, calcular a rima e a significância das palavras, dos acenos, dos carinhos. Agir no susto. Fechar os olhos e simplesmente deixar ir embora o ímpeto e a vontade de reagir. Algumas coisas são mais fáceis se contarmos até dez. Ficam mais fáceis com o tempo, com o hábito, se tornam "acostumáveis". Algumas coisas são melhores com um pouco menos de tempo ocioso, melhores de cabeça ocupada, melhores se não existissem.
Apesar de conselhos, de tentativas, de empenho ou até de esquecimento, algumas coisas nunca serão fáceis.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Esposa Fragmentada

Foi ele quem disse isso enquanto catava, como de costume, meus vestígios espalhados pela casa; me descreveu esparramada por todos os cômodos em cada pequeno detalhe, embaixo do sofá ou em cima da cama. Não senti crítica nem desafio no tom com que me chamou de fragmentada, senti uma admiração desconfortável por já ter se acostumado a sutilmente acomodar meus objetos quando chega o final da noite, por reencontrá-los todos em algum canto, alguma caixa, depois do meu esforçado trabalho de desfazer tudo durante o dia. Sou assim mesmo, espalhada. Sou fragmentada em todas as coisas, iniciando em sentimentos e terminando com os tradicionais pares de sapato na entrada da casa. Preciso me esparramar para sentir meu aquele espaço, preciso me esparramar para que, todos os dias, ele tenha as pistas exatas das coisas que fiz enquanto esteve fora. Percorre a minha trilha, acumula as minhas coisas no colo e, sem perceber, faz de mim um pequeno altar - como faço com as toalhas penduradas nas portas da casa e os livros empilhados por todos os ambientes que ele faz questão de deixar -, uma gentil lembrança para que se faça presente mesmo nos momentos de ausência. Não vejo maldade nem desorganização que justifiquem os sapatos sempre na porta de casa nem nas canecas em ordem ao lado da escrivaninha nem no livro marcado com embalagem dos biscoitos que comi; vejo uma forma discreta, sincera e amiga de dizer que estou em casa, que eu estou bem.
Ser fragmentada é mais do que divisão, é o esparramar durante o dia para só me rever inteira com ele, no chegar da noite.

É o amor percorrendo a sua trilha.

sábado, 31 de dezembro de 2011

Helena...

Deve ser culpa de todo esse simbolismo que carrega o que chamamos de ano novo o que me sufocou até me acordar hoje pela manhã, mas preciso te pedir desculpas. Erro todos os dias desde muito antes de te carregar, de te gerar, te saber e te ter no colo. Erro praticamente todos os dias desde que me conheço por gente. Errei já muitas vezes comigo e erro - certamente, ainda mais - contigo. Preciso te antecipar as desculpas por todos os erros que cometerei; pois sim, continuarei errando como sempre fiz. Errando por amor, errando por convicção, errando muitas vezes sem saber. Preciso que já tenhas guardados os perdões para os meus passados, presentes e futuros erros que, te garanto, não serão poucos. Não enumero os que já passaram afinal teu pai vive me relembrando que a vida é demasiadamente curta para remoer o passado. Procuro sempre usar dos meus antigos erros para evitar cometê-los novamente, porém a vida tem um leque infindável de situações onde errar e, provavelmente, errarei em algum momento em todas elas.

Meu erros se confundem com o meu amor e com o misto de culpa e responsabilidade que, desde a primeira vez que te soube no meu ventre, passei a carregar. Carregarei para sempre o fardo de uma responsabilidade maior que meu próprio ser; fazer, crescer e amadurecer uma pessoa íntegra, honesta, madura. Carregarei comigo a culpa por todos os teus erros na vida e, por mais que nunca possa querer vivê-la no teu lugar, guardarei como erro meu todos aqueles que cometeres em teu caminho. Peço-te desculpas por ser humana e grandemente falível, mas também é lição de vida o ensinar da diversidade e do respeito a cada um em suas falhas e, principalmente, em suas virtudes. Peço desculpas pois muitas vezes não conseguirei te dar tudo aquilo que esperarás de mim, mas espero que compreendas que é muito difícil dar o que não fomos acostumados a receber. Não peço desculpas por todas as vezes que terei que dizer não, pois sei que, como eu, um dia reconhecerás a importância de cada negação imposta a ti na vida. Mas peço desculpas pelas lágrimas que, em consequência desses sim e não, irão rolar. Pais são humanos, apesar de ti, com teus pequenos quase 6 meses, hoje acreditar que nós somos mágicos e incríveis, fortes e inabaláveis, fazendo a fome sumir, a fralda magicamente voltar a ser limpa, os brinquedos aparecerem e o choro cessar. Vou errar, minha filha, vamos errar. Nós juntos erraremos infinitas e repetidas vezes. Muitas vezes te direi coisas que nem quis dizer, coisas que não serão verdade (e sei que, enquanto isso, pelas costas, me mandarás ao inferno). Te perdoarei por me mandar ao raio que parta e espero que me perdoes pelos impropérios que provavelmente direi algum dia, da boca para fora.

Quero que saibas que errei inúmeras vezes desde que nasceste, mas farei ainda pior, tomarei decisões equivocadas, direi não quando deveria dizer sim e o contrário também. Teremos as nossas diferenças, os nossos gostos, manias e peculiaridades. E sei que sou autoritária e teimosa, mas prometo que até cresceres a ponto dessas características aparecerem, tentar me tornar um pouco menos cabeça dura e mandona. Preciso te pedir desculpas, meu amor. Porque muitas vezes estarei nervosa demais para superar o orgulho após a briga e te dar razão mesmo quando estiveres certa; porque outras tantas vezes vou descontar a fúria de um mau dia numa pequena pessoa - ou já nem tão pequena assim - que sempre me encarou com olhos brilhantes de amor e devoção. Enfim, quero que saibas que errarei, pura e simplesmente, por amor. Errarei por um amor desesperado, desmedido, que não consegue caber dentro do meu peito. Errarei sempre na esperança de estar fazendo o melhor, errarei com convicção e, daqui a vinte anos, saberei que errei porque te amei demais.

Feliz primeiro ano novo, minha pequena.
Um brinde à nossa vida cheia de erros e acertos. 
Um brinde ao nosso amor que cresce a cada dia.

Mil beijos da tua pequena,
Mamãe

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Change; we don’t like it, we fear it, but we can't stop it from coming. We either adapt to change or we get left behind. And it hurts to grow, anybody who tells you it doesn’t is lying. But here's the truth...the more things change, the more they stay the same. And sometimes, oh, sometimes change is good. Oh, sometimes, change is...everything.

Mudanças. Aquele frio no estômago do novo. Do velho que restou dentro de
nós. A gente carrega o nosso passado para onde quer que formos. E depois que
nos mudamos, parece que nunca mais conseguiremos ser um só novamente. Sempre
deixamos pedaços de nós por onde passamos, com as pessoas que compartilhamos
momentos, nas calçadas em que andamos, nas festas nas quais dançamos, nas
praças, nos bares.
É um mar infinito o das memórias. Porque recriamos as imagens, as falas,
os sentimentos. A saudade faz isso: deixa tudo mais mágico, significativo,
atraente. Apegamos-nos ao passado quando não temos um presente definido ou um
que nos acalme a alma. Ou, simplesmente, porque nos faz falta. Não seria um tanto
óbvio? Às vezes dói mesmo o peito, embora nossa situação seja satisfatória, há
um espaço vazio que jamais será preenchido, das coisas que fazíamos e das
pessoas com quem andávamos. É desse espaço que eu tenho medo.
Mas as mudanças são necessárias. Na vida nada permanece igual. Nem um
dia sequer. Grandes mudanças são o que marcam a nossa existência. São barreiras
vencidas, linhas de chegada comemoradas. São as mudanças que dão sentido a
nossa vida, que nos fazem crescer, amadurecer, ver o mundo de uma forma
totalmente diferente da que víamos antes. Faz-nos abrir o coração para novas
aventuras e novas ideologias. Damos valor a coisas que não dávamos antes. E é
aí que percebemos que estamos envelhecendo, que estamos passando pelo tempo e
que o tempo, também, está passando para nós.
Ah! Mudanças. São o que ficam na memória, são o que nos dão belas fotos,
são o que nos tornam pessoas “vividas”, com experiências para compartilhar,
cartas para mandar e uma enorme coleção de memórias. E o único jeito é se
adaptar a elas. É dar o nosso melhor, ver a vida com otimismo, tornar a
fraqueza em coragem e fé. Porque se tem uma coisa que aprendi é que, no final,
tudo dá certo.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Se não, bebe tudo de uma vez

E a cabeça gira, gira, gira
E tudo passa depressa, move-se depressa, se acaba depressa
As cores se confundem e se unem em um fio só de qualquer coisa nenhuma
A casa desarrrumada, a pilha de louças para lavar, o relógio que não para de contar
As horas que já nem vejo mais passarem, os pássaros que não vejo mais assobiarem
E a vida que grita para eu me acalmar.
É nessas horas que os sinos batem, que as crianças correm pelo quintal
Que a vida triunfa e se refaz
Para mim não mudou o mês, não mudou quase nada
Os latidos da vizinhança ainda são os mesmos e as páginas que folheio ainda são de Orgânica
Não conto os dias para não parecerem mais longos
A espera é dolorida e reflete nas minhas costas que sofrem de stress pré-traumático
E eu que prometi não pensar em amor, não deixar a corda arrebentar, não perder a cabeça
Chego a quase me orgulhar
Só não consegui cumprir uma coisa: ainda durmo demais
A verdade é que às vezes a rotina sufoca a gente, nos tranca em um quarto escuro
A gente esquece de querer saber o que há lá fora para ser visto,
Esquece de como é sentir o Sol bater forte, tão forte que tem que fechar os olhos bem fininho, assim, pra poder enxergar coisa qualquer
A gente esquece que é gente, ás vezes, e não se satisfaz com pão e água.
A gente esquece que prometer é coisa pra gente fraca, quem promete nunca cumpre porque já sabe que aquilo tá fora de alcance.
Quem promete é porque deve, pra alguém ou pra si mesmo uma prova de que consegue
O bom é ir assim, andando conforme a vida, fazendo o que dá, o que cabe no dia, o que cabe no peito, o que cabe no copo da vida
Se não, a gente fica esganado, bebe tudo de uma vez só, sem deixar nadica de nada para depois
E aí é que a vida fica chata, chata de doer a sola do pé
Tem que ter suspense, como filme mesmo
Tem que saborear a vida aos pouquinhos, assim, devagarinho, como um doce no final da tarde
Pra gente poder contar como foi, ou como achamos que foi
Pra gente ter as memórias que completam nossos dias, dias vazios assim, sozinhos, cinzas
Se não fossem os momentos degustados em lentidão
Ai que um domingo desses ia doer no coração!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cartas para Liana - O Mundo de Sofia

Oi amiga!

Lembrei da nossa conversa de ontem sobre como a rotina nos absorve e acabamos nos esquecendo de olhar pra dentro, de refletir, de dar valor às coisas que são realmente importantes e isso me fez lembrar uma frase do "O Mundo de Sofia". A penúltima vez que tive em Porto Alegre comprei uma versão dele pra mim, lembro que a primeira vez que o li foi através de uma gentil cessão tua (obrigada, amiga ;)) e lembrei de uma frase do curso de filosofia quando o "professor" explica à Sofia que somos como bichinhos microscópicos que vivem na pelagem do coelho que é tirado da grande cartola do Universo e que, quando nascemos, estamos bem na pontinha dos pelos, vendo o truque acontecer e olhando dentro dos olhos do grande mágico mas, conforme passa o tempo, vamos sendo arrastados (ou nós mesmos nos arrastamos?) para cada vez mais fundo, onde formamos um ninho quentinho e de onde não queremos mais sair. Ele diz que os que permanecem a vida toda tentando escalar a pelagem do coelho são os filósofos, que ficam lá em cima gritando para nós que estamos quentinhos lá embaixo que há um mundo lá fora, que é um truque, que há um mágico, mas mandamos que eles calem a boca e continuamos imersos nos nossos cotidianos, sem nunca mais sair daquele conforto.

Será que estamos caindo assim tão depressa? Muitas vezes me deparo aqui com a caixinha de edição de texto e não sei mais o que quero dizer. Logo eu que dizia tudo que vinha na cabeça, será que estou me arrastando tão rápido lá para baixo? Tenho medo que nos tornemos imunes às belezas do dia-a-dia, à mágica da vida e é aí que fazes muito mais falta do que em todas as outras coisas. Canso de andar pelo parque e faz muita falta ter a tua companhia para dizer as coisas que ninguém mais poderia entender. O mundo nos pregou mais uma grande peça nos separando de novo, não é? Mas o engraçado é que existe uma "Liana" aqui dentro da minha cabeça pra quem eu conto e com quem eu discuto essas questões que me intrigam, que me comovem ou me emocionam. Tu fazes muita falta na minha vida, amiga. Sei que estás aí todos os dias, mas tu entendes perfeitamente o que quero dizer. É falta daquela saída despretensiosa para caminhar pela madrugada, das vezes que te busquei em aula ou da vez maluca que me escoltasse até a faculdade porque tu sabias que eu não estava bem. Faz falta ter uma amiga com quem a gente pode ser fraca de vez em quando. Faz falta ter um ombro pra reclamar bobagem, pra chorar tragédia. Mas eu sei que te tenho, meu bem. É por isso que faço questão de te escrever, sempre. Porque aqui dentro nós conversamos todos os dias, todas as horas, todos os céus azuis.

Tirei a foto do livro com os meus óculos por cima e lembrei do teu pai... "Ela ficou horrível com esses óculos!". 



Essa é só mais uma das mil coisas que me fazem lembrar de ti. Te amo!

domingo, 4 de dezembro de 2011

Carta para Gabi

É tanta falta, é tanto detalhe, é tanta saudade, minha amiga. Acho que nunca vou me acostumar em não te ver cruzando a esquina com esse teu sorriso largo e teu caminhar saltitante. Sinto falta das palavras amigas nos momentos de insegurança, da companhia no "rien faire" sem igual.
Mas de volta aos Pampas! A Helena sentiu que eu estava por perto e não quis se demorar mais! hehe A vida é um bocado bonita mesmo, sempre nos surpreendendo com sua criatividade para nos emocionar.
Estou aqui, pensando no começo da semana. Acho que muito do jeito que me sentirei amanhã perante todas essas derrotas e vitórias será o perfil que eu vou ter até janeiro. É uma fase de altos e baixos, mas espero conseguir me firmar em terra firme e ficar mais serena. É nessas horas que o sorvete da De Marco faz milagres! Queria uma fita pra gravar que nem a Felicity fazia para a Sally. Todas essas coisas que eu te contava ao vivo, ficam entaladas no peito. E vão se perdendo dentro de mim, sem importância. Desde o céu azul até os pesadelos.
Mas sinto uma brisa leve no ar que ainda teremos muitas histórias pra contar. Te amo!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Cartas para Liana

Oi amiga!

Como dezembro é realmente um mês muito corrido prá todo mundo, resolvi te escrever pequenas cartinhas. Lembrei de ti enquanto voltávamos de Porto Alegre e a estrada estava tão linda, tão calma, que não me deu outra vontade senão me esparramar naqueles quilômetros de capim verdinho, então fui obrigada a tirar muitas fotos para que tu pudesses ver a paisagem lindinha que tem de lá até aqui (embora as fotos não consigam captar o calor do sol do fim da tarde nem o infinito verde que se perde no horizonte).




Tu tens que vir conferir de pertinho a paisagem dos pampas, hein? Ainda ontem lembrei que, logo no dia em que iriamos passear fronteira afora, a Heleninha resolveu nascer. Talvez ela soubesse que a irmãzinha da mamãe chegaria naquele dia e não conseguiu encontrar hora melhor pra nascer. Falando nisso, ela nasceu no dia que tu voltou de fora, lembra? 07/07. Incrível a mesma data representar dois momentos tão felizes pra mim. :)
Enfim amiga, por hoje é isso. O Hector ainda saiu pra buscar um chocolatinho que tu sabe bem que a tua amiga aqui não sabe viver sem roer um docinho né? hahaha

Beijos,
Gabi

domingo, 13 de novembro de 2011

O sofá, as pernas... te amo

Não peço licença. Vou esparramando as minhas pernas por cima das tuas tão logo me aconchego do teu lado. Não sei pedir permissão, não sei esperar um convite. Vou ocupando o espaço que me confunde ao não se definir bem se teu ou meu, se meu corpo ou teu corpo. Vou enchendo o teu espaço de mim, com as minhas pernas preguiçosas que insistem em se espalhar por cima das tuas. Uma vez tu mesmo me disse que, no dia em que eu começasse a pedir licença ou por favor para me espalhar pelo teu corpo seria porque nosso amor acabou. E ele não acabou. Ainda me tira o ar como naquela primeira vez em que te encontrei e passei a noite com o telefone na mão esperando uma desculpa para poder te ligar - e, curiosamente, tu também - e como em tantas outras primeiras vezes, que são caso para outra história. Não peço licença desde que entrei na tua vida, não pedi licença da primeira vez que arranquei o número do telefone dos teus olhos e nem da primeira vez que entrei na tua casa e fui logo colocando as coisas da minha maneira. Não sei pedir licença desde que invadimos um a vida do outro e não soube mais distinguir a minha da tua; desde que o nosso amor nos une de um jeito que dispensa as formalidades.
No sofá, sem nunca pedir licença, é meu modo secreto de dizer eu te amo.

sábado, 12 de novembro de 2011

Noite Qualquer

Escorreu o corpo pela parede como se fosse um fardo já muito pesado para carregar. Abriu a janela, sentiu pela primeira vez a necessidade de um cigarro entre seus dedos, aceso escondido no pequeno espaço entre a cortina e a parede. Esticou o braço e abriu o chuveiro, agora a água caía firmemente encharcando o vestido comprido. Se imaginou no meio de uma grande tempestade quente de verão, era assim que se sentia, pega de surpresa, desprotegida, prensada por uma limitação muito mais que física. Era fácil arrancar as cortinas, quebrar os vidros, os azulejos, destruir o balcão e todas as coisas que sobre ele se amontoavam como um monstro adquirindo suas verdadeiras proporções. Era fácil fugir do visível, abrir a porta, sair correndo, rolar pela escada, era fácil até encontrar uma maneira de morrer. Mas era difícil, pra não dizer impossível, fugir das limitações do coração, das amarras que ele atava com seus truques indecifráveis, da tortura que as suas ideias causavam, da imaginação que não parava de fervilhar com os diferentes desfechos que poderia ter aquela história. Porém aquela história não teve final algum, pois ao menos teve chance de possuir um início. Nunca houvera nada entre eles dois - e todo o resto que a torturava era mero fruto da imaginação. Sentiu a água misturada às suas lágrimas que brotavam sem dizer porquê, sem justificar pra onde iam. Sentiu o corpo lentamente adormecer. Desejou agora uma garrafa de vodca, logo ela que largara o vício já há algum tempo depois de tanto lutar com as garrafas que sempre se mostravam tentadoras. Desejou alguém que a resgatasse daquela fraqueza, daquele estado miserável em que se encontrava atirada, encharcada, misturada aos azulejos, mesmo sabendo que ela não sairia dali por ninguém a não ser por ele. Ele que jamais viria, que nunca a surpreenderia abrindo a porta - nem correndo por ela, muito menos trazendo flores - pelo simples fato dele nunca ter sabido que ela se encontrava ali. Sentiu saudades de uns raros momentos e, mais uma vez, desejou a vodca. A vodca não veio, nem ele, nem o cigarro. E nenhum dos três jamais viria, de verdade. Descobriu entre as lágrimas que jamais precisaria de nenhum deles na sua mão. Era a memória da vodca, a curiosidade do cigarro e a tortura daquele ele as coisas que a mantinham viva. Fechou o chuveiro. O coração suporta com gosto a dor, mas a casa não tem espaço para ele.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Memórias

Sei escrever melhor quando estou com raiva. Na verdade, só sei escrever quando algo me perturba. Sei escrever quando meu sangue ferve, quando meu coração se espreme e me encolho no cantinho para chorar escondida. Sei expressar minha ira e também sofrer uma dor de cotovelo como ninguém. Sofro até as últimas consequências, gosto do tom dramático da maquiagem borrada que propositadamente uso quando sei que vou me esvair em prantos. Mas ainda não aprendi a dizer o que sinto quando não sinto nada, quando provoco os sentimentos e eles não vem; colocaram uma placa no meu peito dizendo "já volto" e não voltaram nunca mais. 

Sei sofrer, lamentar e me reinventar centenas de vezes no mesmo episódio, tenho diversas câmeras nos pontos estratégicos da minha imaginação e conto e reconto a história cada vez por uma diferente perspectiva, mas não sei contar quando eu não sei mais sentir. Preciso primeiro reencontrar os sentimentos dentro de mim, preciso da ferida aberta, da dor latente, do amor doído, do passado meio amarelado e do cheiro a esquecido no fundo de uma gaveta qualquer para voltar a me angustiar e poder sofrer e me deliciar como uma criança, com a mesma história, pela milésima vez.

Não sei onde foram parar os meus sentimentos, onde se escondeu toda a minha nostalgia e inquietude. Não sei onde minha memória foi deletada, quais os passos desse ritual desconhecido que apagou de mim os cheiros que tatuaram minha pele e o toque das mãos que se esvaíram pelos meus dedos. Só sei que se esvaíram. As angústias, os sabores, as lembranças, as poesias e as cartas que deixei para trás. Foram pegas de surpresa por alguma traça nas gavetas da minha memória que as roeram lentamente e não deixaram sequer um vestígio, uma pista, um sinal. E não tenho mais nada a relembrar, a não ser o cheiro doce do presente.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Primavera

Toda troca de estação é um bom momento para olhar para dentro. Não só para dentro dos armários e gavetas, não só tempo de reorganizar as tralhas e jogar fora aquilo que há muito deixou de servir e que só é guardado por um certo apego, mas também de olhar para dentro de si mesmo. Toda troca de estação é uma boa hora para jogar fora, junto com as roupas e calçados velhos, os antigos bilhetes, as amareladas cartas de amor e as palavras que ainda ecoam na cabeça e no coração. A saída do inverno abre espaço não só para os botões que se abrem em belas flores mas para a abertura dos corações em novos rumos, em busca de novos ares e novas aventuras. Desbravar o próprio peito pode ser uma árdua tarefa que exige persistência e confiança, paciência e uma alta dose de desapego. Faxinar os sentimentos é como podar uma árvore, transplantar suas mudas e regar suas raízes. A princípio não vemos resultado algum, mas quando a primavera chega abrindo novos botões e perfumando o coração de belos sentimentos, vemos florir em nós a flor da esperança e a certeza que tudo pode ficar ainda melhor (e mais colorido).

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O Poeta Está Vivo

 

 Essa música há alguns dias ecoa por aqui.

domingo, 23 de outubro de 2011

Abri a caixinha e imediatamente os pensamentos saíram voando da minha cabeça. Sumiram.
Deve ser um pouquinho de cansaço. Vou desenhar para ti, fazer massagens nos pés, reler uma leitura fácil e depois, quem sabe, eu relembre tudo o que eu queria te dizer. E o que eu venho relutando em não dizer também.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

que dia é hoje?

Me perco com facilidade nos dias, tenho me perdido com facilidade até mesmo nas semanas. Já não sei mais se é domingo ou quarta, se é noite ou dia, se é inverno ou verão. Me perco de mim mesma e me reencontro cada vez mais perdida, mais distante, mais desencontrada mas ao mesmo tempo muito mais eu. Talvez sempre tenha havido essa tentativa de sonegar o que no fundo sou eu e que se fez latente nesse tempo em que me perco e me acho para me perder novamente nas mesmas coisas, no meio dos meus livros e nas infindáveis caixas e gavetas e potinhos. Não consigo estabelecer metas, ou melhor, estabeleço mas não consigo cumpri-las. Sempre fui uma desencontrada por natureza. Agora dei pra deixar dinheiro em cima do banco, pente cravado nos cabelos, pé de cada meia, livros pela metade, canetas sob o sofá, sonhos esparramados. Dei pra voltar a mim, pra me reencontrar, mesmo quando tudo não passa do engano de se perder.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Ser

Somos muito mais do que as nossas escolhas, muito mais do que tudo que optamos para as nossas vidas. Nossa essência vai muito além de cada "sim" que falamos durante a vida, muito além de cada caminho que decidimos trilhar. Somos feitos, muito mais do que cada sim, de cada não que resolvemos dizer na vida. Somos fruto de todas as coisas que optamos por não fazer, somos resultado das pessoas com quem escolhemos não nos relacionar, das coisas que decidimos que não queríamos para as nossas vidas, de cada não que pronunciamos durante toda uma história. Somos o peso de cada renúncia, a frustração que optamos por não prolongar, o sonho que deixamos de adiar, o amor que deixamos de fingir. Pesamos exatamente a medida das coisas que deixamos para trás. É só olhando pra trás que podemos saber tudo aquilo que somos, o que escolhemos de nós e as nossas vidas, o que decidimos ser. é só olhando pra trás e preferindo o presente que podemos saber que nos tornamos alguém. Maior que as frustrações, maior que as opções, maior que as escolhas que não fizemos.

Somos, quando nos tornamos, exatamente aquilo que desejamos um dia ser. Somos quando soubemos dizer não.

domingo, 2 de outubro de 2011

Pro Inferno

Passei dias tentando engolir a minha grosseria e procurando encontrar uma maneira mais sutil e elegante de dizer que desejo, do fundo do meu coração, que você vá pro inferno (porém, infelizmente, não consegui). Sejamos francos: desejo que você vá pro raio que o parta e tenho certeza absoluta que o sentimento é recíproco, simples assim. Sem hipocrisia, sem sorrisinhos, sem aquela baboseira de você me perdoou (até porque eu não lembro de ter lhe pedido perdão por porra nenhuma). Para eu chegar ao ponto de usar o você, pra dizer que você vá aonde quiser, desde que me erre, é porque quero deixar cada vez mais claro que não há nenhuma ligação que você pensa que há - ou que algum dia houve. Não há ressentimentos, não há mágoas e, believe me, isso não é papo de recalcada pós-pé-na-bunda. Francamente, não gosto e não vou desperdiçar o meu latim tentando deixar ainda mais claro o que já tentei explicar com o meu silêncio e a minha indiferença. Você não faz diferença. Nenhuma, sério. Não há nada que nos ligue e não há nada porque nunca houve nada nem quando deveria ter existido.
Desejo, de verdade, que você vá aonde quiser.
Não vou mentir dizendo que quero que você seja feliz porque quero mais que você se exploda, que suma, que evapore do mundo sem deixar rastros e sem atravessar o meu caminho nem por engano. Se uma bomba cair na sua cabeça, pode ter certeza que não fui eu que mandei jogar, mas que ficarei feliz em receber a notícia. Não sou, nunca fui e não é do meu tipo ser rancorosa, nem raivosa, nem ignorante. Mas você merece. E eu desejo de verdade que você se f***.
Com todas as letras, em tudo, com todos.
Se com silêncio você não entende, deixo claro através de palavras:

Queridinho,
vá pro inferno.
Com alegria,
Gabrielle


Agora me sinto cem quilos mais leve.