terça-feira, 26 de março de 2013

Atualizações Sentimentais

Meu amor, não sei o que acontece por aqui, mas tenho a sensação de estar entrando a terceira primavera seguida. Por essas bandas, a natureza se equivocou e vem enchendo as árvores de flores.  No clima floral, nossa calandiva também está permanentemente florida desde outubro, toda laranja, cheia de vida e logo precisará ser transplantada para que possa continuar crescendo. Tu precisavas estar aqui para ver isso.

Asfaltaram as duas ruas próximas da nossa casa, tu não reclamarias mais das crateras no meio da avenida. Houve um evento na praça do coreto, aquela por onde passávamos quase diariamente, que a encheu de crianças e famílias e a ocupou da forma como sempre concordamos que praças deveriam ser ocupadas. Chegaram alguns livros que há tempos estavam em nossos desejos e completei a biblioteca com mais uma estante, que já está praticamente lotada também. Houve uma tragédia, um incêndio; morreu o Amigo, o cachorro do teu avô herdado pelo teu pai. Também nasceu o filho dos amigos. E fizemos por aqui bons e grandes amigos. Nosso canto tem novos ares por causa da disposição dos móveis. A casa que gostamos na subida da rua está à venda. O prédio aqui perto está ficando pronto, só imagino como adoraríamos a vista  dos últimos andares. Aqui do lado abriram uma oficina que faz barulho o dia inteiro. Construíram um muro que deu o que falar aqui na cidade, sabia? Tu precisavas estar aqui para ver isso.

Aprendi a operar com segurança uma panela de pressão - e aprendi que tirar a pressão levantando a válvula não faz a panela explodir, como minha mãe sempre me dizia e eu repetia para ti. Aprendi a pular por cima da bagunça e sair de casa para me divertir com a Helena, como tu sempre havia sugerido. Aprendi a me virar em espanhol. Aprendi a otimizar o tempo. Meu celular se espatifou num dia e foi dessa pra uma melhor. Continuei assistindo todos os campeonatos possíveis e imagináveis de tênis. Conheci algumas músicas legais, vi documentários interessantes. Chegaram muitos postais. Tenho pintado mais as unhas. Li muita literatura nesse tempo da tua ausência, precisava preencher teu espaço com histórias quase tão boas quanto as que improvisavas para mim todos os dias. Arrecadei mais três livros da Isabel Allende para aumentar minha paixão; um deles, li em um dia. Comecei a ser mais segura de mim mesma, meu amor, como mãe e como mulher. Tirei nove numa prova, mesmo com casa, Helena e algum cansaço nas costas. Tu precisavas estar aqui para ver isso, tu estarias orgulhoso de ver isso.

Mesmo com tanta coisa acontecendo, há algum tempo todos os dias são iguais, contabilizando as saudades na descida da Câmara e te contando com o coração tudo o que não posso te mostrar com teus próprios olhos. Já se foi dez dias, vinte, um mês, dois, foi a metade, o pior já passou, foi três e agora quase quatro. E parece que o tempo continua se arrastando, todos os dias as mesmas cenas, as mesmas perguntas. Tu estás presente no cotidiano, presente nas conversas, nos passeios, na escola da pequena e nas aulas que frequento. Tu estás presente em cada livro que não consigo encontrar. Tu precisavas estar aqui para ver isso. Tu, definitivamente, precisas estar aqui. Nós precisamos de ti, da tua presença bagunceira e teu espírito divertido, das tuas noites insones perambulando com um livro embaixo do braço, das invenções culinárias e das toalhas penduradas pelas portas da casa. Queremos mesmo sem isso, queremos de qualquer jeito, porque agora sabemos que não precisamos. Que te queremos aqui. E por não precisar, te quero ainda mais.

Estou sempre te esperando.

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