quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Esposa Fragmentada

Foi ele quem disse isso enquanto catava, como de costume, meus vestígios espalhados pela casa; me descreveu esparramada por todos os cômodos em cada pequeno detalhe, embaixo do sofá ou em cima da cama. Não senti crítica nem desafio no tom com que me chamou de fragmentada, senti uma admiração desconfortável por já ter se acostumado a sutilmente acomodar meus objetos quando chega o final da noite, por reencontrá-los todos em algum canto, alguma caixa, depois do meu esforçado trabalho de desfazer tudo durante o dia. Sou assim mesmo, espalhada. Sou fragmentada em todas as coisas, iniciando em sentimentos e terminando com os tradicionais pares de sapato na entrada da casa. Preciso me esparramar para sentir meu aquele espaço, preciso me esparramar para que, todos os dias, ele tenha as pistas exatas das coisas que fiz enquanto esteve fora. Percorre a minha trilha, acumula as minhas coisas no colo e, sem perceber, faz de mim um pequeno altar - como faço com as toalhas penduradas nas portas da casa e os livros empilhados por todos os ambientes que ele faz questão de deixar -, uma gentil lembrança para que se faça presente mesmo nos momentos de ausência. Não vejo maldade nem desorganização que justifiquem os sapatos sempre na porta de casa nem nas canecas em ordem ao lado da escrivaninha nem no livro marcado com embalagem dos biscoitos que comi; vejo uma forma discreta, sincera e amiga de dizer que estou em casa, que eu estou bem.
Ser fragmentada é mais do que divisão, é o esparramar durante o dia para só me rever inteira com ele, no chegar da noite.

É o amor percorrendo a sua trilha.

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