terça-feira, 1 de junho de 2010

Mulher


Já se foi o tempo em que os nossos cabelos e o cachorro eram as únicas coisas que tentávamos domar. Domar pelos do corpo, o temperamento dos filhos e do chefe, domar o marido rabugento de manhã cedo e domar as adversidades, por mais absurdas que se mostrassem. Nós mulheres nos tornamos verdadeiras mestres na arte de domar as coisas que vemos pela frente - e não, esse não é um texto feminista. Onde eu quero chegar? Bem, não satisfeitas com o cabelo e o cachorro bem domados, o chefe bonzinho e o marido descansado, com os grandes amores batendo à porta e o mundo girando a nosso favor, decidimos que seria bom se pudéssemos domar também a nós mesmas. Somos moldadas para sermos perfeitas: boas mães, lindas mulheres, excelentes profissionais, donas de casa exemplates, além de gostosas, boas de cama, atenciosas, cheias de amor pra dar e ainda por cima sempre de bumbum durinho, bem maquiadas e depiladas.
Então decidimos que domar nossos sentimentos seria uma alternativa não somente viável e sim muito interessante, ao menos para tentar simplificar um pouco do tanto que devemos (e, acreditem, conseguimos!) fazer. Domamos o que sentimos e o que não sentimos, fazendo sempre malabarismo e conta de cabeça com o coração. Pesamos nossos relacionamentos não somente com a medida do amor, mas levando em consideração todos os mil fatores envolvidos em qualquer relação, colocando na balança coisas que jamais deveríamos ousar mensurar. Nos tornamos mestres em acorrentar os próprios corações, muitas vezes nos sacrificando pelo conforto ou pela felicidade cômoda de uma relação espreguiçada no tempo. Criamos desculpas esfarrapadas para os outros e passamos a vida inteira tentando nos convencer que assim seremos mais. Mais felizes, mais completas, mais mulheres. Passamos, então, a vida inteira tentando ludibriar nossas belas cabecinhas do cabelo domado.
Nos tornamos meio mulheres, meio mães, meio profissionais, meio satisfeitas, mas sempre com um sorriso no meio da cara. Somos condenadas a carregar o peso de uma relação que, se não dá certo, deve ser encarada como um fracasso e aí fazemos o possível (e o impossível) para não deixar morrer algo que muitas vezes já está morto. Nos tornamos sempre menos do que podemos ser, contentadas com uma felicidade morna com nome de relação estável, com uns dois ou três nomes de crianças gritados pela casa, com o nome de uma profissão. Nos contentamos em escolher o nome do cachorro, em troca do nome que leva nossa verdadeira felicidade. Nos contentamos em escolher o caminho mais fácil, aquele que é mais bem visto, aquele que é mais cômodo. Escolhemos ser, no fim, sempre metade. Metade de felicidade, metade de potencial, de vida. Metade de tudo aquilo que poderíamos ser, de tudo o que poderíamos escolher por nós mesmas se houvesse um pouquinho mais de coragem para jogar as convenções para o alto, para rasgar os planos amarelados pelo tempo, para quebrar correntes já enferrujadas. Metade do que poderíamos ser se fossemos um pouco mais egoístas. Um pouco mais desligadas. Um pouco mais mulheres - sem o codinome mãe, esposa, profissional, bumbum durinho ou o raio que o parta. Mulher de verdade, de sutileza e gritaria. Mulher de verdade, feita somente de felicidade.


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