terça-feira, 22 de junho de 2010

Daqui a um mês

Daqui a um mês você vai acordar e poder enxergar o sol novamente. Vai abrir os olhos com um pouco de dificuldade, o sol vai invadir de surpresa o seu quarto, como eu lhe disse que aconteceria - e você nunca quis acreditar. Seu apartamento vai estar completamente arrumado e outro alguém vai enfeitar sua mesa com flores, sua vida com flores. Daqui a um mês, você vai sair de casa e enxergar outras pessoas. Vai enxergar outra vida, outras formas, outras cores. Daqui a um mês você vai finalmente me dar razão. Vai correr no Parcão, vai voltar à bossa nova sem rastro de melancolia, vai sorrir e não se preocupar com o cabelo bagunçado por algum tempo. Vai esparramar seus livros pelos lugares que eu ocupava, até que - daqui a um mês - outro alguém venha se espreguiçar naquela cadeira onde só eu gostava de dormir. Daqui a um mês, você vai ouvir Gardel e não mais querer dançar comigo. Vai descobrir outro caminho. Vai ser feliz.

Daqui a um mês, Chico vai lhe sussurrar enquanto alguém vai preparar um bolo com açúcar, com afeto. E esse alguém vai usar meu avental, já um pouco empoeirado, onde não restará nenhuma marca de que algum dia passei por ali. Daqui a um mês, você escolherá um novo apartamento. E pintará sozinho as paredes com as técnicas que lhe ensinei, e você nem lembrará onde foi que aprendeu; vai escolher novos móveis, novas telas, vai colorir sua casa com novas flores que não as que eu costumava comprar. Daqui a um mês você nem vai lembrar do meu nome. Mal vai conseguir lembrar do modo como eu arrumava seus cabelos.

Daqui a um mês, você vai adotar um cachorro. Vai pensar em casar e ter um filho. Vai finalmente crer que é hora de se ajeitar. Vai dispensar a vida solitária e abdicar de uma prateleira de livros para os perfumes de outra mulher. E nenhuma mulher vai preencher a sua casa como eu jamais preenchi, mas isso não importa, pois você não lembrará mais de mim. Daqui a um mês, você será pai. Você rasgará os planos que algum dia fizemos juntos, sob a luz da mais bela lua que já teremos visto. Você vai abrir um livro e lá estarei eu, uma página amarelada e esquecida, com algum bilhete anotado, um rabisco em tinta preta e algumas manchas de lágrimas pingadas. Pode lhe render algumas memórias, boas risadas, mas nunca valerá por uma história de verdade. Você vai olhar para os lados, agradecer pela vida que tem e pelos caminhos que algum dia nos separaram.

Daqui a um mês pode ser daqui a um ano ou daqui a uma década. Mas, certo dia, você vai acordar e não vai sentir minha falta ao seu lado. E, finalmente, você não vai me perceber. E vai ver que a nossa história não passou de um raio, que partiu o céu, estremeceu o chão e se foi sem deixar vestígios. Como um flash.

P.S.- mas eu lhe garanto que mulher alguma usará meu perfume ou lhe dará flores tão belas.

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