quarta-feira, 12 de maio de 2010

do que passou

Sabe aquele dia que bate uma saudade? Uma saudade de um cheiro, de um gosto, de uma situação. Aquela saudade de cenas que gostaria de reviver mas infelizmente só posso relembrar. Aquela saudade gostosa das coisas que já se foram e que não voltam mais, e também aquelas saudades nem tão gostosas assim. Eu acho que ando muito saudosista...
Bem, é a saudade dos cheiros, porque sempre tive o olfato como sentido mais aguçado e todos os cheiros me lembram coisas e todas as coisas remetem a outras coisas, que remetem a outras coisas, ou a outros fatos ou a outras pessoas e assim sucessivamente. A cabeça da gente é um emaranhado sem fim, tem uma lógica quase ilógica de associar as coisas. A saudade do cheiro de beijo, saudade do cheiro das tardes, cheiro de cobertores e cheiro de noites mal-dormidas, com o sol da manhã batendo à janela entreaberta do quarto azul. Saudade do cheiro de longas conversas, dos longos amores e dos efêmeros mais saudades ainda. Saudades de não ter que sentir saudades.
Tem aquela saudade que é do gosto, da música; a da música me é frequente. Ligar quase automaticamente determinadas músicas a determinadas pessoas ou acontecimentos é completamente normal para mim. É como se meu cérebro funcionasse vinte e quatro horas por dia no modo musical, sempre preenchendo as lacunas de palavras e de sentimentos e de emoções com letras feitas, melodias e acordes apropriados. Aquela letra de música rabiscada na última página do caderninho de anotações, que remete ao passado, que direciona o pensamento à alguém e finalmente a um cheiro e, assim, minha cabeça anda em círculos infinitos de viver das lembranças das coisas que passaram.
Eu nasci sendo passadista e creio que essa tendência já tão forte comigo ainda jovem só tende a piorar conforme a idade for se aproximando e as lembranças forem consumindo cada vez mais espaço na minha memória e nos meus sentimentos, até chegar ao ponto de espremer o passado em uma esquina qualquer do pensamento e fazer para minhas antigas memórias um imenso salão dentro de mim, por onde elas vaguem fantasiadas, escondendo seus rostos já com minha idade avançada, jogando comigo um eterno esconde-esconde de quem não consegue mais viver sem viver somente daquilo que já foi vivido. 
Isso é tudo muito desconexo, mas já é madrugada e com o silêncio da noite o baile em minha mente se enche ainda mais, com as memórias barulhentas dançando e dando altas gargalhadas. Vou deitar e tentar dormir, tentar encerrar com este baile que há muito se prolonga aqui dentro. Encerrar só por hoje, pois ele sempre estará aqui, dividindo o espaço com a minha realidade presente, que me parece sempre tão menos interessante do que as velhas rugas naqueles que há tanto conheço. Que há tanto se foram. E que tão vivos permanecem.

"No mais estou indo embora
No mais, estou indo embora
No mais estou indo embora
No mais..."

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