terça-feira, 30 de maio de 2017

De uma noite

Eu estava saindo do mercado quando um homem esbarra em mim correndo como se sua vida dependesse disso. Olhei a volta meio assustada, e não tenho pessoas para fazer um contato visual, continuei andando, estava quase na esquina de uma das grandes ruas de Porto Alegre. Eram 19:30 e estava muito escuro, já, pois o inverno já estava deixando a cidade um pouco mais sombria e bastante mais deserta. Abrirei um parênteses na estória aqui. Porto Alegre são muitas. Fico impressionada com as cidades que cabem dentro desta cidade. E o clima tem tudo a ver com isso. Quando começa a esquentar o povo bota bíquini para ir pular carnaval em pleno domingo de manha. Enquanto em julho, tu convidas algum amigo pra tomar uma cerveja no bar da esquina, e a pessoa tem sempre muitas tristezas guardadas e só quer ficar em casa vendo série. Nunca vi alguém dizendo que está deprimido para pular carnaval em dezembro. Me parece mesmo que a clima das pessoas anda junto com o clima da cidade que anda junto como clima do tempo. Enfim. Claramente isso não deve ser algo peculiar à cidade, mas já que é aqui que moro, é daqui que falo. Continuando a cena, dobrei a esquina e uma moto passou rapidamente pelo meu lado, uma baita moto, diga-se de passagem, uma custom, dessas poderosas em que o cara se sente a pica das galáxias sentado nela. Pois bem, pra completar o estereótipo de bad boy daquele que dirigia à moto, a cena perde um pouco o glamour, quando ele saca uma arma do casaco na minha frente e aponta para o rapaz, aquele, que esbarrou em mim correndo como se sua vida dependesse disso, pois não é que dependia mesmo? Eu paraliso. Uma mulher que está do outro lado da rua paralisa. Uma menina que está a alguns metros de mim e que caminhava na minha direção, põe a mão no peito. O cara da moto pára. O único a se mover nessa cena é o rapaz. Ele atravessa a rua e se ouve o motociclista hardcore mocinho ou bandido gritando: "Põe as mãos na cabeça! Põe as mãos na cabeça!". A mulher que estava do outro lado da rua faz contato visual comigo e grita: Ele tá armado!!!! Volta!!! A menina corre em minha direção. Eu me viro e volto por onde vim. A mulher me alcança e diz, "vamos ficar juntas!" A menina se junta a nós e nós começamos a fazer o caminho inverso dos dois homens. Nenhuma de nós entende muito bem o que aconteceu, cada uma conta da sua perspectiva a cena. "Que dia é hoje? Nasci de novo. Ele apontou a arma pro cara, mas parecia que era pra mim, porque o cara continuou correndo e eu que fique na frente dele, pronta pra receber um tiro no peito!". "A vida mesmo não vale nada, tu vê, sete e meia da noite e a gente podia ter morrido, porque esses dois tão resolvendo as suas coisas na rua." "Será que era policial?" "Será que era com droga?" Daí eu falo: "Acho que agora eles devem ter ido embora, eu realmente preciso ir pro outro lado". Quando entramos na rua que acontecera o episódio, vemos pessoas andando como se nada tivesse acontecido. Tudo absolutamente normal. "Pois, essas pessoas nunca vão ter a mesma percepção dessa rua que nós, agora". Fiquei pensando nesse cruzamento de histórias tão desconexas que se conectaram por um momento, por um breve momento, numa noite violenta da capital. Ali estavam pintadas as facetas da humanidade. A violência, o caos, o risco, o quase, o encontro, a ajuda, a vida. Após algumas quadras, cada uma seguiu seu rumo, contudo o rumo não seguiu o mesmo.

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