terça-feira, 15 de março de 2011

A Mochila

A mulher na minha frente estava com a mochila aberta. Hoje, no ônibus, ela se perdia nos pensamentos e a única coisa que não enxergava  - ou que não via, pois não conseguia imaginar que ela enxergasse algo - era aquele zíper aberto que deixava à mostra uma parte das suas coisas - e parte da sua ferida também. Lembrei imediatamente do que uma vez contou Carpinejar, ao falar do sofrimento da mãe logo após o abandono do pai, quando ela saiu com um pé de cada sapato e caminhou por horas com o pequeno e ele, angustiado com os diferentes pares e sem saber exatamente se diria à mãe que ela havia se enganado na hora de se calçar, permaneceu calado. Fiquei igualmente calada enquanto via a parte exposta daquela mulher, que também segurava o seu filho pela mão. Não consegui esboçar uma reação, não consegui tocá-la, não consegui avisar que ela havia cometido um pequeno descuido - que me pareceu uma demonstração clara de 'não perturbe'. Ela encostava o filho no peito e apontava, com o olhar perdido, coisas que nem ela enxergava, talvez tentando evitar que os olhos do pequeno se encontrassem com os seus. Às vezes deixamos parte de nós mesmos para fora como grandes feridas expostas e nem percebemos que as exibimos tão claramente como essa mulher se mostrava hoje. Os pequenos descuidos, as bolsas abertas, os livros caídos, os anéis e os olhares perdidos são, para mim, são a expressão desesperada de quem diz em silêncio "me ajude, me perdi em mim mesmo".
Ela pode ter descido do ônibus e nada ter realmente acontecido. Ela pode ter se atrasado. Ela pode ter pego um casaco na bolsa para entregar ao filho e, dispensando atenção a ele, esqueceu de fechá-la. 
Mas ela pode também ter dado esse sinal quase imperceptível, essa mostra de desespero e desapego de quando nada mais faz sentido. Não importa mais se perdermos os pertences pelo caminho, se deixarmos as carteiras e os documentos espalhados pelo meio da rua, nada mais importa quando o olhar e o coração se perdeu. E o nosso coração sempre faz questão de dar um sinal quando tudo dentro de nós está perdido.
 Até que alguém, quem sabe, nos reencontre e nos reorganize. Alguém que nos faça dar bola novamente aos fechos da mochila. Alguém que feche, bem fechado, o zíper doído e muitas vezes emaranhado do coração.


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