segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Outros

Um dia teu cheiro decidiu que iria me sufocar. Lentamente, os teus traços tomavam conta do armário e de todo o espaço do meu coração. Teus gostos soterraram o que me restava de mim e fui, como um processo arrastado e quase imperceptível, perdendo o espaço dentro daquilo que chamava de mim. Um dia teu coração decidiu que não viveria mais sozinho e teus passos decidiram que precisariam dos meus passos para qualquer caminhada à beira-mar. Um dia teu sono se viciou no meu. Teu corpo dependeu de mim, teu alimento, teu sono, teus planos, teus sonhos se tornaram uma extensão daquilo que antes tinha por meu; tua fome era de mim, tua sede de mim, tua vontade de mim, tuas mãos precisavam de mim, teu equilíbrio, tua força. Não sobrava quase nada para que eu pudesse dedicar àquele eu perdido em qualquer pedaço dessa conjunção. Teu corpo, teu tempo, teus dias, tuas noites, tudo me sugava e terminava com qualquer plano, sonho, desejo, vontade que eu pudesse sentir por mim.
Um dia teu cheiro decidiu que iria acabar com o meu; não suportava mais viver dividindo o corpo com outro cheiro estranho a ele. Um dia teu corpo decidiu que engoliria o meu. Teus sonhos decidiram esganar o que restava dos meus. Tuas forças acabaram com as que me sobraram. Tua vontade resolveu abandonar o teu corpo e se possuir do meu. Tuas fomes e tuas sedes só se saciavam em mim. Teus gestos não se expressavam mais no teu corpo. Tuas expressões eram formas claras de mim, teus traços se foram e se renderam a mim, mesmo querendo me dominar. Teus dedos não queriam mais te tocar; desejavam meu corpo, minhas vestes. Pensando que queria me dominar, teu eu só queria sucumbir. Não viveria mais sem mim.

Um dia juntei as malas dos meus sentimentos. Me mudei de mim.
Aqui dentro não cabíamos nós dois.

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