segunda-feira, 29 de novembro de 2010

para as paredes 004


Aí eu sinto falta de todos os amigos que eu não fiz. 
Sabe, bem, você sabe, sabe tão bem ou até melhor que eu, do quanto eu sou distante de todo mundo e como as pessoas foram sendo substituídas por músicas e livros na minha vida, meu bem, você sabe que eu sempre achei um desperdício de tempo ser simpático com todo mundo, sabe como eu sempre fui desconfiado e mal-educado com quase todos ao meu redor e isso se reflete basicamente na enorme coleção de ficções e na interminável lista de LP's e CD's que eu já ouvi e que muitas vezes ainda te surpreendem; cada disco se tornou um amigo, cada melodia me serviu de ombro em cada momento, cada acorde vibrou comigo uma diferente vitória ou me chorou uma derrota - e hoje eu não estou muito orgulhoso disso, dear. Hoje eu senti falta das coisas que eu não fiz seja pela teimosia, pelo humor ácido ou pela chatice que me é característica.
Você sabe como eu sou nostálgico e como em alguns dias as minhas melhores amigas músicas me encravam uma dor fina porém constante no fundo do peito e me fazem repensar e assim eu vivo repensando e refazendo e reestabelendo na minha mente dez mil diferentes planos que eu nunca cumprirei pois em dez minutos aparece outra amiga música que novamente me alegra (não muito, mas) o suficiente para me dissuadir da ideia de virar bonzinho e sair pela rua abraçando os outros e me esforçando para trazer para casa algum amigo que não seja de vinil nem que se conte pelo número de páginas/ E sabe, bem, eu não sei explicar porque eu mais tenho vontade de te escrever quando estou triste, ou nostálgico como prefiro dizer, já que a tristeza profunda não costuma se apoderar de mim há muito tempo, como gosto de me orgulhar de um certo equilíbrio interno no meu pequeno mar de solidão mas eu te escrevo sobre minhas nostalgias e saudosismos e pensamentos e reflexões talvez porque eu tenha a mais absoluta certeza de que é com você que a compreensão vem tão calma e tão certeira que eu me tranquilizo de ter alguém em quem eu tenha investido (e me orgulho disso).
Toca um beautiful jazz aqui em casa, apareça você por aqui, faça uma visita mas venha para ficar como você sempre fica, sabe bem, sua presença enfeita a minha bagunça de livros e músicas, silencia um pouco meus pensamentos melódicos e me auxilia a elaborar frases que não sejam citações de muitos dos meus amigos que me cercam empoeirados e meio abandonados dos meus cuidados - droga, não sou bom em cuidar nem de amigos inanimados -, mas você aparece e essa sujeira nuvem cinza e fina que me rodeia vai temporariamente embora. Você traz muita luz para essa casa. Você nem precisa trazer maçãs, nem jazz, nem livros, nem um vinho para olharmos para as estrelhas a noite toda. Traga apenas o seu coração que, do resto, eu me encarrego. 
Você faz falta todas as semanas, de segunda a terça, quando o único jeito de me compensar de tudo é recorrer aos meus amigos inanimados. Dusty Springfield nos ouvidos e alguma boa literatura nas mãos. Estou sempre esperando você voltar.
Você é a única falta das coisas que eu realmente fiz.

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