terça-feira, 31 de agosto de 2010

Justificativas de um amor injustificável

Sem nenhuma razão ele me tomou pelos braços e me conduziu à sua vida. Não, não me pegou do braço nem me disse "vem!" nem me levou ao cinema - não naqueles tempos, que nos retraíamos a cada instante que o outro se aproximava - nem me obrigou a decidir instantaneamente o que eu queria da minha vida. Mas me conduziu como um cavalheiro conduz seu par pelo salão de bailes, gesticulando com maestria e me levando a dar cada um dos belos passos da dança, me fazendo dançar ao seu ritmo, me fazendo inevitavelmente cair em seus braços. Me tomou pela mão, aquela mão do pensamento, puxou-a com toda sutil gentileza indispensável à condução de uma mulher teimosa feito eu e soube administrar com paciência e suavidade todas aquelas crises e os momentos de hesitação e dúvida e choro e cenas dignas de Hollywood - com um pouco menos de maquiagem e bem menos glamour, pelas ruas da cidade, um glamour da vida real.
E sem mais nem menos me apaixonei por toda aquela forte delicadeza paradoxal - puxa, como ele adora esse termo, tudo é paradoxal, vivemos num paradoxo, sentimentos paradoxais, me perco no tempo me perco na cama me perco em meio aos lençóis e volto num suspiro para falar de quê? -, é, paradoxal pois, ao mesmo tempo que imperava a sutileza de uma brisa, havia no mesmo trono a fúria de um furacão prestes a me arrancar do lugar frente a tanto comodismo e apego. E sem mais nem porquê as coisas foram crescendo e tomando proporções que ninguém - ninguém leia-se eu e ele, o resto do mundo suspeitava do contrário -, digo, ninguém imaginaria. As mãos se procuravam de leve, os olhos fugiam uns dos outros, um par de verdes se enchia de pequenos diamantes ao encontrar o par de mele as coisas foram crescendo como um bolo feito às pressas, sem muita expectativa e exagerado no fermento - eu sei, péssima metáfora, mas são mais de meia-noite e eu preciso da minha cama e eu preciso ao mesmo tempo te explicar o inexplicável, te fazer compreender o incompreensível, vai me desculpar pela metáfora mas talvez não haja nada nada melhor do que um bom bolo então estou perdoada. E aquela mão me levou para bailar e, não mais satisfeita em segurar esporadicamente a minha, decidiu juntar-se rente ao meu corpo, colar o braço na minha cintura, ajeitar meus colares, me por os brincos e me por a sorrir os dias inteiros. E aquela mão conduz meus passos, aquele braço guia minha dança mesmo por caminhos tortuosos, ao som de Chico ou de qualquer coisa que faça nossos corpos vibrarem, os ruídos das nossas próprias vozes, os embalos de nossos próprios pensamentos ou aquela música, é, aquela mesma que é o silêncio em movimento.
São mil tentativas de justificar o injustificável. De tentar descobrir e redescobrir e ler e reler nos mesmos traços, nos mesmos gestos, na mesma trajetória espontânea de encontro de nós dois, o porquê de um amor. Mil tentativas de racionalizar o irracional e de tentar te explicar coisas que só um par de olhos pode te contar. Um dia ainda listarei todas as razões porque me apaixonei; quando talvez eu conseguir descobri-las.
Um dia ainda te justificarei o injustificável. E voltaremos, mais uma vez felizes e dançantes, ao nosso amor injustificado e irracional.

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