segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Para as sedes intermináveis

(enquanto Bethânia me diz que amor é sede depois de se ter bem bebido)

Primeiro foi a sede absurda, o coração de deserto, o pudor abandonando a língua. Depois foi o vazio, o espaço infinito e o tempo incontável naquela dilatação de horas, dias, meses e anos que jamais se cansavam de passar, de agoniar, de irromper pela fresta da janela por onde entra um vento terrível que faz lembrar a falta que tem um abraço do tamanho certo nas horas que o frio invade a casa, o corpo e que se arrasta pela mobília. Depois foi a língua, novamente ela. Não aquela do léxico bem definido, recheado de símbolos em forma de letras, que tentam significar os sentimentos e os objetos que nos rodeiam ou que fazem tanta falta de nos rodear; foi a língua feita de músculo, de papilas, de pele, banhada em saliva, sem freio algum em falar dos sentimentos que a outra tanto se esforça para aglomerar e classificar e definir. Essa língua encontrada em tantos poemas relidos hoje e que trouxe de volta a sede primeira, o vazio, a lua e o oásis.
Depois da língua, veio a lua. Cheia, amarela e brilhante, riu-se do sofrimento acompanhado através do vidro da janela por onde espreita e gira no ritmo lento da Terra, até se posicionar com aquela mesma inclinação de revolver marés, avançar águas, esquentar corações e trepidar fogos acesos à beira do mar, perpetuando o movimento de esvaziar certezas jamais compreendidas. Da língua e da lua fez-se o ouvido. O ouvido salgado do mar revolvido pelo movimento lunar, mar que brotava dos olhos, língua que lambia a maré primeira dos olhos verdes que vertiam sem cessar. Ouvido testemunho de tantas confissões da língua falada e de tantos encontros às escuras com a língua viva; ouvido que cansara de procurar significações em vão a cada troca de olhares para a qual não era convidado.
Depois da língua, da lua, do ouvido e dos olhos verdes, veio o oásis. O vácuo do desprendimento, a angústia da sede jamais saciada, a adrenalina ruidosa de batidas cardíacas ensurdecedoras. Veio o tempo, incapaz de abrandar a dor que há tanto transmutara-se em conformidade. Veio a lua, em seus ciclos repetidos, dar mais uma vez a sua face mais redonda aos olhos admirados desde o chão. Vieram as flores, mais de luto que de recomeço. Veio novamente a língua, cortada, calada e muda, e dela brotou um grito surdo. E a saudade, interminável, fez-se paraíso da memória cíclica, irrepetível, incomparável. 
Verte seus desertos nos oásis das salivas jamais bebidas.

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