sábado, 11 de dezembro de 2010

Recorte

"Apesar dessa incompletude de nossa investigação, arrisco-me a fazer algumas observações conclusivas. O programa de ser feliz, que nos é imposto pelo princípio do prazer, é irrealizável, mas não nos é permitido - ou melhor, não somos capazes de - abandonar os esforços para de alguma maneira tornar menos distante a sua realização. Nisso há diferentes caminhos que podem ser tomados, seja dando prioridade ao conteúdo positivo da meta, a obtenção do prazer, ou ao negativo, evitar o desprazer. Em nenhum desses caminhos podemos alcançar tudo o que desejamos. No sentido moderadoem que é admitida como possível, a felicidade constitui um problema da economia libidinal do indivíduo. Não há, aqui, um conselho válido para todos; cada um tem que descobrir a sua maneira particular de ser feliz. Fatores os mais variados atuarão para influir em sua escolha. Depende de quanta satisfação real ele pode esperar do mundo exterior e de até que ponto é levado a fazer-se independente dele; e também, afinal, de quanta força ele se atribui para modificá-lo conforme seus desejos. Já neste ponto, a constituição psíquica do indivíduo, à parte das circunstâncias externas, será decisiva. Aquele predominantemente erótico dará prioridade às relações afetivas com outras pessoas; o narcisista, inclinado à autossuficiência, buscará as satisfações principais em seus eventos psíquicos internos; o homem de ação não largará o mundo externo, no qual pode testar suas forças. Para o segundo desses tipos, a natureza de seus dons e a medida de sublimação instintual que lhe é possível determinarão onde colocará seus interesses. Toda decisão extrema terá como castigo o fato de expor o indivíduo aos perigos inerentesa uma técnica de vida adotada exclusivamente e que se revele inadequada. Assim como o negociante cauteloso evita imobilizar todo o seu capital numa só coisa, também a sabedoria aconselhará talvez a não esperar toda satisfação de uma única tendência. O êxito jamais é seguro, depende da conjunção de muitos fatores, e de nenhum mais, talvez, que da capacidade da constituição psíquica para adaptar sua função ao meio e aproveitá-lo para conquistar prazer."

Freud, em O Mal Estar na Civilização

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